A praça é pomposa, tem caros adornos. Uma estátua de bronze enaltece um herói. Contrastando, um menino de pele judiada Com a caixa no ombro seu mundo constrói. Um pequeno engraxate a vagar inocente Com roupas farrapas que alguém lhe deu Em calçados alheios capricha num brilho Que a ele a vida tão cedo tolheu. Em batuque de samba o vai-e-vem do pano Retrata a gangorra que sua vida é. Balanço que embala a triste incerteza Se um dia, o que lustra, terá em seu pé. O quiosque exala um cheiro de lanche Que vem, impiedoso, com a fome mexer. Prá que poupe os pilas, cochicha a consciência: - Lá em casa não tem prá comer. Uma senhora exibe seu cão bem cuidado Que escava na grama sem que alguém reclame. E o pobre menino, coparando a sorte, Até sente inveja do cão da madame. A praça é pomposa, tem caros adornos, Uma estátua de bronze enaltece um herói. De tantos não-feitos restaram os efeitos Mas dor de consciência no bronze não dói.