Milena Tibúrcio

Juiz e Pecador

Milena Tibúrcio


Quem desfez meus areais
E não teve compaixão?
Quem sangrou meus orixás
Sem sequer pedir perdão?

Quem do mar calou a voz
E sorriu da minha dor?
Quem de filho fez-se algoz
E feriu meu ventre em flor?

E essa flor: É chaga
E essa voz: Lamento
E a ferida vaga
A crescer no vento

Cada orvalho é mais um adeus
Escorrendo dos olhos meus
Compondo silêncios
Nas celas do tempo

Quem ergueu os seus punhais
E talhou a minha tez?
Quem secou meus manguezais
E serviu meu sangue aos reis?

Quem, por fim, sentenciou
Os desastres que não fiz
Mal supondo, esse juiz
Que ele mesmo é o pecador?

E esse sangue: É chaga
E essa tez: Lamento
E a sentença vaga
A romper no vento

Cada lua é mais um sinal
Dos meus gritos de vendaval
Bordando naufrágios
Nos barcos do tempo