Quem desfez meus areais E não teve compaixão? Quem sangrou meus orixás Sem sequer pedir perdão? Quem do mar calou a voz E sorriu da minha dor? Quem de filho fez-se algoz E feriu meu ventre em flor? E essa flor: É chaga E essa voz: Lamento E a ferida vaga A crescer no vento Cada orvalho é mais um adeus Escorrendo dos olhos meus Compondo silêncios Nas celas do tempo Quem ergueu os seus punhais E talhou a minha tez? Quem secou meus manguezais E serviu meu sangue aos reis? Quem, por fim, sentenciou Os desastres que não fiz Mal supondo, esse juiz Que ele mesmo é o pecador? E esse sangue: É chaga E essa tez: Lamento E a sentença vaga A romper no vento Cada lua é mais um sinal Dos meus gritos de vendaval Bordando naufrágios Nos barcos do tempo