É sempre sobre as palavras que se perdem Quando dorme a cidade Sobre o alvorecer dos sentimentos Sem querer, sem pedir, sem piedade Às vezes sobre um vazio alimentado Que vive sobre o que nos recusamos ver E embora não possa ser manifestado Transita em própria ordem e como bem querer São nas vozes e olhares Nos corredores, nos andares Nas janelas e telhados E nos andares abraçados É sobre o que não pode mais voltar Sobre o permanecer, sobre ser, sobre estar Sobre se entregar a quem Que para tal não convém, se deixar por ninguém Toda a neblina da cidade havia se dissipado Abrindo as portas para um eufuror efervescente Com todas as cores e tonalidades presentes De repente, os dias transformaram-se todos De maus dias, para dias maravilhosos, e ninguém sabia explicar Havia um canto ou outro, dentro das casas Pelas calçadas, atrás dos prédios, em que se ouvia lamentações Mas pouco a pouco se extinguiu Alguns temiam na madrugada, antes de dormir Com suas cabeças leves e satisfeitas, que de uma hora pra outra Assim como começou, tudo resolvesse terminar Que as televisões nunca mais pegassem em cores e frequência alguma Afinal, ninguém dava mais a mínima: Todas as cores e sons estavam lá fora E lá fora todos dançavam Os jovens andavam pelas ruas, agora, com flores nas mãos Com os corações tão cheios Que os anciães da cidade temiam infartos coletivos Transbordo de sentir bem Não se ouvia choro, não se via lágrimas escorrendo das calhas Lágrimas pingando das calhas Para a felicidade já não havia sinônimo Era fato, era fenômeno, era estar e ser e prosseguir E ninguém sentia saudades E ninguém dava falta Durante a noite na competição de mergulhos Ninguém anotou o nome do campeão Porque todos pularam ao mesmo tempo E ninguém acordava desse sonho, desse sonho bom Os que temiam abriam os olhos E voltavam a dormir, e a sentir, e a sorrir E logo não havia lembrança ruim e com os anos Essa ânsia de se certificar dessa realidade então foi sumindo Foi sim, aos poucos, as crianças cresceram e cresceram E sumiram as dúvidas e as más memórias E os contratempos e os maus arranjos e os maus bocados E as más línguas e as más dores e ainda havia mais pra aproveitar E olha só pra nós, nesse reflexo, o que tornamos então a ser Não vejo mais separação do que sou eu, do que é você Notaram que, ao investigar o caminho reverso da tomada dos tempos Estava registrado de forma implícita que Simplesmente não havia motivo cabível algum E explicação plausível para que as coisas fossem Por fim, de forma diferente E os que tempos bons são esses E esse é o compasso da dança E lá fora todos dançavam Universos e correntezas em nós Celebrações e devaneios e quedas d'água de inspiração E os fascínios e o libertar, e as idas e voltas e as vésperas Acho que estou sonhando E é quando tentamos explicar que não entendemos E é quando paramos de sentir que morremos E de um jeito ou outro estamos aqui, e estamos juntos E formamos um todo, um tudo ou nada E não são as chegadas a nos guiar, nos conduzir E não são as partidas nos fascinar, nos motivar São os mergulhos, são as danças