de manhã eu levantei, fiz xixi li o jornal sem escovar o dente tomei café com leite (como sempre correndo) me arrumei, fui trabalhar nem lembrei de dizer tchau pro povo lá de casa fui tocar música com meus amigos músicos aí eu canto (o dia inteiro eu canto) e canto, e canto, e canto, e canto às vezes pra ninguém porque é ensaio às vezes pra ninguém mesmo não sendo ensaio mas sempre junto com meus amigos músicos e quando vai a multidão parece que eu sou tão importante depois acaba tudo e eu volto quieto pra casa e quando eu chego lá em casa tá todo mundo dormindo tá tudo escuro escuro pra burro eu fico olhando a rua pela janela de casa é madrugada eu sozinho com eles dormindo desligo a última luz da casa vou dando trombada até o quarto dos moleques beijo eles, um por um cubro eles, um por um tropeço um bocado pra chegar na minha cama eu dou um beijo leve e demorado nos cabelos da minha mulher que dorme eu tiro a roupa eu deito acordado eu tô nu eu me cubro olhos arregalados numa fresta de luz no teto e eu sonho sozinho com meu coração pequenininho minha compreensão também pequenininha do conjunto das coisas todas eu, com medo da morte, e tudo mais sonhando sozinho, eu me pergunto se quando a gente canta alguém presta atenção na letra mas eu tento tentar dormir aí vem aquele monte de dúvidas que a gente tem quando trabalha como artista e vem fé e vem tristeza e vem alegria e tesão e neura e fantasia e dionísio e ditadura e eu não sei, não sei, não sei, não sei... eu pego no sono eu preciso dormir um pouco e sonhar muito porque se o cara não descansa ele não canta direito e não leva sustança pro coração do cidadão comum e amanhã é mais um grande dia um dia comum de muito trabalho um dia grande que nem um diamante um longo dia belo um baita dia duro e lindo eu ganho pra estar brilhante num dia útil um dia útil um dia útil um dia útil