Eu era, dor, a alma rubra e inquieta A pomba predileta Do prazer, da ilusão e da alegria Meu coração, alegre cotovia Saudava alvoroçado O segredo da noite e a luz clara do dia Quando chegaste de mansinho Pisando sutilmente o meu caminho E eu te enxerguei, despreocupada Em meu engano, em minha fantasia Primeiramente Foste, austera e inclemente A um dos belos tesouros que eu possuía E mo roubaste para sempre Em fúria iconoclasta Como o simum que arrasta As cidades repletas de tesouros Confundindo-as no pó Foste aos meus ídolos mais caros Destruindo-os sem dó Prosseguiste, ó divina estatuária Na tua obra silente e solitária E quebraste Minhas cítaras de ouro Meus mármores de parós Meus cofres de alabastros Minhas bonecas de biscuí Minhas estatuetas singulares E humilhaste Meus sonhos de mulher e de menina Que eu pusera nos astros Em meio às melodias estelares! Mas, desde que chegaste Foste a sombra divina Que acompanhou meus passos ao sepulcro Tudo sofri Ó dor, por te querer Porque depois que vieste Qual pássaro celeste Para abrir rosas de sangue no meu peito Encheste a minha vida De um estupendo prazer, quase perfeito! Aos poucos me ensinaste a abandonar Meus prazeres fictícios Trocando-os pela luz dos sacrifícios! Por tudo eu te bendigo, ó dor depuradora Porque representaste em meu destino De alma sofredora O fanal peregrino Que me guiou constantemente Através das estradas espinhosas Para as manhãs radiosas Da luz resplandecente Sê, pois, bendita, ó dor linda e gloriosa Pois da volúpia estranha dos teus braços Vim pelas mãos da morte complacente Para a vida sublime dos espaços!