Marco Telles

O Cristão Incrível

Marco Telles


Em busca de pão
Peregrinos de todas as partes tem cruzado a história
Gente trôpega, vacilante

Insatisfeitos com sua própria condição
Pessoas pelas quais verdadeiros muros de pedra
Foram erguidos diante de seus pés
Impedindo-os de sequer sonhar
A chance de uma vida leve, fluída

Aquele que está doente em fase terminal
Busca pão que lhe possa sanar tal realidade inevitável da morte
Aquela outra cresceu ouvindo ser feia

E sentindo-se esmagada pelo padrão estético
Minguado de uma sociedade mesquinha
Ela busca pão que lhe faça se sentir finalmente aceita

O senhor de cabelos brancos adiante sabe o que é perder
E já nem se lembra mais qual foi o último jantar em família
Com as próprias mãos transformou em pó

Tudo que mais amava e todos os que mais precisava ter ao lado
Ele sabe o que é chorar e busca pão
Que lhe traga de volta o riso dos amigos à mesa
E o aroma da família por perto

Mais adiante tem ela
Dormindo o sono dos desajustados
Sem dar ouvidos à razão

Sonhando com um mundo que não lhe chamem de João
Nem lhe virem as costas na calçada
Busca pão que lhe faça sentir-se pela primeira vez
Em harmonia com seu próprio corpo

Enquanto olham para si mesmos e suas infindas dores
Processos e crises
Nada veem além de abismos
Paredes de pedra e silêncio

Mas então
Um vento fresco de brisa leve
Soprou-lhes gentilmente ao ouvido e olharam pra trás
O único lugar que não haviam procurado, atrás
E lá estava a história que é maior do que si mesmos

Acharam o contexto, o enorme
O anterior, o que veio antes
Por um milésimo de segundos

Sentiram-se mais extensos
Do que sua própria existência singular
Como se fizessem parte de um todo
Um roteiro que lhes contam a jornada
Não de si mesmos e de seus fracassos

Mas de Deus e seu triunfo
De um povo inteiro criado pra sua glória
Caídos pelos seus pecados
E erguidos pelos méritos do filho amado

Eles olharam pra trás
E lá estavam o pão que tanto sonhavam
A pergunta finalmente respondida
Um enigma explicado

Naquela história única chamada de precioso evangelho de Cristo
Virou seu próprio rosto na imagem
Do homem ensanguentado e esmagado no madeiro

Morreram com ele e sepultaram seus corações naquela tumba escura
De uma forma que não conseguem definir completamente
Viram-se ao terceiro dia ressurretos em triunfo junto com ele
Que dia perfeito

Nas águas, diante dos que com eles olharam pra trás
Deixaram-se lavar de uma vida sem a glória desse precioso evangelho
Na mesa, acharam finalmente o pão e beberam do vinho

Abraços, sorrisos, gentileza e afeto
Encheram de púrpura e brilho toda aquela casa
Mas, então
Olharam pra si

Aquele que sentia dores na carne ainda estava sofrendo
Nada mudou do lado de fora
A moça que se sentia feia olhando no espelho

O viu ainda a mesma imagem e uma vez mais chorou
O senhor de cabelos brancos continua assentando-se só
No mesmo banco de praça em cada pôr-do-Sol

E aquela outra ainda sente as dores
Por não ser como gostaria
Nem ter a complacência
Dos que passam por ela na calçada

A dor ainda dói
A lágrima ainda cai
E o pão da mesa que antes parecia fartura
Mostrou-se migalha, apenas migalhas

Um pequeno feixe de luz feito estrela cadente
Cruzando a negridão do céu
Todas as vezes que eles estão juntos
A dor parece não existir de verdade

Comem outra vez do pão, a migalha de pão presente na mesa
Sorriem levemente com mais esse feixe de luz
Que cruza a negridão da existência mas voltam

Ele volta pros remédios
Ela volta pro complexo
O outro volta pra solidão
E aquela volta pro desajuste
Como continua?

O que foi que perdemos ao longa dessa narrativa
Que não nos permite compreender tal fim?
Onde está a peça que falta pra preencher a lacuna final?

O precioso evangelho de Cristo
Não se ocupa exclusivamente com que se vê
Antes é a janela que se abre pra além do que se vê com os olhos
A fé exercida no filho bendito de Deus
Não é pra o agora mas para o sempre

O agora perde seu significado exagerado
E resume-se à esperança do que virá
O que vejo não é mais o que me sustenta
O que não vejo torna-se a âncora da vida

Ele ainda toma os seus remédios e a dor ainda lhe faz chorar
Mas veja
Há um riso leve no canto de sua boca
Ela ainda vê no espelho a imagem esmagada
De alguém insuficiente pros padrões da sociedade

Mas veja
Pôs um laço na cabeça e saiu pra dançar
Ele ainda sente saudade dos que afastou de si mesmo

Mas perceba
Tem um garoto sentado ao seu lado ouvindo suas histórias
Ela ainda sente-se desajustada no agora

Mas olhe de perto
Na íris de seus olhos está a verdade de quem ela é
E no fundo de sua alma se esconde a viva esperança

De que embora ainda não seja amanhã
Logo cedo muito em breve acordará
Pra plenitude da vida que há de vir
E lá será exatamente o que tem de ser
Será exclusivamente o que deve ser

Conheçam esses incríveis cristãos
Eles caminham equilibrando-se com graça
Na atenção entre o já e o ainda não
Já estão salvos

E ainda sim aguardam a salvação
Já estão santificados à imagem de Cristo
Mas esmurram a carne diariamente
Aguardando a glorificação de seus membros

Já estão lá no alto assentados
Majestosamente ao lado de seu Senhor
Mas ainda caminham humildemente
Com farrapos de roupas terrestres

Já desfrutam das migalhas do banquete
Mas aguardam pelo dia em que se fartarão
Eternamente nas bodas do cordeiro
Eles temem a Deus
Mas já não tem mais medo dele

Sentem-se dominados e perdidos diante da grandeza da sua justiça
Mas não existe presença que lhes deem maior alegria que esta mesma
Eles sabem que foram purificados de suas faltas e pecados

Mas sentem-se penosamente culpo
De que nada bom habita em sua carne
Eles amam profundamente alguém a quem nunca viram

Embora sendo pobres sentem-se
À vontade para conversar
Com aquele é o Rei de todos os reis
E Senhor de todos os senhores

Embora sendo eles cidadãos do céu
Amam essa terra e os seus limites
Caminham proclamando o que há de beleza aqu
I e anunciando de onde vem toda a beleza dos homens

Quando olham pra cruz são pessimistas
Pois sabem que o mesmo juízo que caiu sobre o Senhor da Glória
Condena nesse ato único toda natureza e todo mundo dos homens

Rejeitam qualquer esperança humana fora de Cristo
Pois sabem que o mais nobre esforço dos homens
Não passa de pó edificado sobre pó

Todavia
Se a cruz condena o mundo
A ressureição de Cristo garante o triunfo final do bem em todo universo
Através de Cristo tudo acabará bem
E o Cristão aguarda tal consumação

Ah, que cristão incrível
Embora havendo ainda dor e lágrimas
Já não há mais lamento e desespero
A esperança é a questão que os carrega até o fim
Caminham em insistente transformação daquilo que são

Naquilo que deveriam ser
Nesse constante devir insistem em dizer
Nós um dia o veremos face a face
E o conheceremos como somos conhecidos
Nós um dia o veremos face a face
E o conheceremos como somos conhecidos