Me disseram que no céu o meu cabelo vai ser bom Liso num piscar de olhos, nem precisa ir no salão Só vai ganhar coroa se esse crespo for domado Nesse céu que nos pintaram todos brancos de olhos claros Lá na igreja tem uma preta até bonita, canta bem Mas será que Deus aprova aquelas tranças que ela tem? E crescemos com um espelho que nos olhava com insatisfação Por fora eu sou preto mas será branco o meu coração? Então pare! Pense um pouco no que te disseram O racismo não afundou com os navios negreiros Quebraram os grilhões, mas as algemas permaneceram Nos prendem com o vil metal Mas assinam o nome de um carpinteiro Me disseram que tudo que é da África eu devo evitar Pois os demônios usam o afro pra nos controlar O batuque, o melisma, a dança, o dendê e a pele é tudo do mal Veja só! A cultura europeia é a celestial Me ensinaram várias vezes sobre a marca de Caim E como a maldição de Cam perdura até mim E por isso o negro já nasce amaldiçoado Será culpa do preto ter nascido da cor do pecado? Então pare! Pense um pouco no que te disseram O racismo não afundou com os navios negreiros Quebraram os grilhões, mas as algemas permaneceram Nos prendem com o vil metal E assassinam o nome de um carpinteiro Me disseram que se eu falo desse assunto, eu tô sem fé Que virei a esquina à esquerda onde o diabo anda até Chamaram minha história de discurso ideológico Eu nem saí de casa e me fizeram filho pródigo Meu irmão, é claro, me perfura com palavras Não se toca que sua língua e seus olhos são chibata Dizem que atrapalho a causa do carpinteiro Mas foi ele quem comprou a minha causa primeiro Enquanto eles me forjam pra enxada e pro fuzil De madeira nobre e escura o carpinteiro me esculpiu E agora que enxergo a coroa na minha cabeça Tenho servir de espelho pra que meu povo se reconheça Então pare, pense um pouco no que disseram O racismo não afundou com os navios negreiros Quebraram os grilhões, mas as algemas permaneceram Quem tem cruz na casa grande Não entra na casa de um carpinteiro