Eu canto, Pela mesma razão Que obriga a calhandra A povoar o capão de coronilhas De rebanhos de notas E tropilhas de sons... Pela mesma razão Que força o arroio a correr E o umbu a dar sombra E crescer. Meu bisavô farroupilha Cujas mãos na guerra eram garras, Eram flor na guitarra, Eram luz no rincão, Abriu-me picadas para sonoras liberdades! Remarcou fronteiras flutuantes, Espichou os lançantes até o uruguay. E lutando, E cantando, Legou-me hombridade, Um rumo E canção, Era um diabo -- hoje é santo! Por isso eu canto! Meu bisavô farrapo Changueador, vaqueano e vago, Que era paria, era lixo, era trapo, Hoje é luxo, Hoje é guapo... Hoje é rua, é praça, hoje é busto... (Que susto levaria Se saltasse da pradaria Que serviu de campo santo!) A história mudou -- e quanto! Por isso eu canto! Eu canto! Eu canto! Meu vago ancestral charrua, Cuja figura nua, Ondeando o lombo do flete Mesclando melena e crina, Evitou que essa campina Um dia virasse brete De aventureiros errantes... Enfrentou os bandeirantes, Lusitanos e espanhóis, Chuvas, pampeiros e sóis, Porque a terra tinha dono. Hoje é cidade, tem trono! A história mudou -- e quanto! Na teologia das avós, - Duzentos anos após -- Sepé tiaraju é santo! Por isso eu canto! E canto E canto! Cantar, para mim, É um fatalismo telúrico, Um determinismo da raça. Meu bisavô era umbu E eu calhandra em seu galho; Meu bisavô era bambu Que os tempos fizeram lança. Que os ventos fizeram quena... E eu, conseqüência apenas Desses tempos, Desses ventos, Me transformei em canção! E canto para os de então! E canto para os de então! Outros mais terão motivos Para celebrar os vivos Que reinam, falam em paz. Eu, que sou pássaro triste, Bagual e de pouca voz; Eu, que escutei as avós Eu, que não conheço alpiste, Cantarei os da culatra: Esses que fizeram pátria! Cantarei sempre os de trás!