Nasci artista Fui cantor Ainda pequeno levaram-me para uma escola de canto O meu nome, pouco a pouco, foi crescendo, crescendo Até chegar aos píncaros da glória Durante a minha trajetória artística tive vários amores Todas elas juravam-me amor eterno Mas acabavam fugindo com outros Deixando-me a saudade e a dor Uma noite, quando eu cantava a tosca Uma jovem da primeira fila atirou-me uma flor Essa jovem veio a ser mais tarde a minha legítima esposa Um dia, quando eu cantava a força do destino Ela fugiu com outro, deixando-me uma carta, e na carta um adeus Não pude mais cantar Mais tarde, lembrei-me que ela, contudo Me havia deixado um pedacinho de seu eu: A minha filha Uma pequenina boneca de carne que eu tinha o dever de educar Voltei novamente a cantar mas só por amor à minha filha Eduquei-a, fez-se moça, bonita E uma noite, quando eu cantava ainda mais uma vez a força do destino Deus levou a minha filha para nunca mais voltar Daí pra cá eu fui caindo, caindo Passando dos teatros de alta categoria para os de mais baixa Até que acabei por levar uma vaia cantando em pleno picadeiro de um circo Nunca mais fui nada Nada, não! Hoje, porque bebo a fim de esquecer a minha desventura, chamam-me ébrio Ébrio Tornei-me um ébrio na bebida, busco esquecer Aquela ingrata que eu amava e que me abandonou Apedrejado pelas ruas vivo a sofrer Não tenho lar e nem parentes, tudo terminou Só nas tabernas é que encontro meu abrigo Cada colega de infortúnio é um grande amigo Que embora tenham, como eu, seus sofrimentos Me aconselham e aliviam os meus tormentos Já fui feliz e recebido com nobreza até Nadava em ouro e tinha alcova de cetim E a cada passo um grande amigo que depunha fé E nos parentes Confiava, sim! E hoje ao ver-me na miséria, tudo vejo então O falso lar que amava e que a chorar deixei Cada parente, cada amigo, era um ladrão Me abandonaram e roubaram o que amei Falsos amigos, eu vos peço, imploro a chorar Quando eu morrer, à minha campa nenhuma inscrição Deixai que os vermes pouco a pouco venham terminar Este ébrio triste, este triste coração Quero somente que na campa em que eu repousar Os ébrios loucos como eu venham depositar Os seus segredos ao meu derradeiro abrigo E suas lágrimas de dor ao peito amigo