EMC 

Ele era um homem que não queria falar 
os pensamentos, os segredos queria ocultar. 
Andava na cidade como um anônimo nada 
confundindo-se com as pessoas, os tipos, as caras. 
Entrar e sair sem ser percebido 
respirar a sensação de nunca ser visto 
Aquele homem vestia-se com mau gosto 
e no esquecimento que mergulhara 
já não se importava que os anos corriam, 
nem que as fotos que marcaram a juventude 
perdessem a importância 
Aquele homem comia, pagava a conta e ia embora 
sem responder aos olhares da garçonete. 
Ele, forjado em vulgaridade, 
era silêncio e vazio, 
um vasto e solene campo aberto onde, 
qual fosse a direção que se olhasse 
avistávamos tudo e, ao mesmo tempo, 
nada. 

COMENTÁRIO: "Sobra-me tempo para andar, ver as pessoas, confundir-me com a massa de ignorantes invisíveis. É uma sensação deliciosa, essa de ser um fantasma. O olhar de reprovação, o olhar do carinho, o olhar da bondade: a todos estes olhares esquivo-me de forma muito natural. Decerto faltam-me recursos. O pão e chá que tenho mal chegam para três dias; e se isso é motivo para que o desespero tome conta de qualquer pessoa nessa aldeia miserável, estranhamente não é isso o que me preocupa. O que eu desejo mais ardentemente não são moedas, mas uma passagem para o anonimato, tão completa e profunda que nem eu mesmo consiga reconhecer-me. Estranhar-me a todos os credos, a todas as paixões, a todos os coágulos do sentimento e, na experiência do Nada, mergulhar e nunca mais submergir."