Mãe, eu nem sei como te escrever Descrever o que eu acabei de fazer Juro, cê tinha que ver, até ia se orgulhar É duro, mas liga a TV. Vai ver teu filho lá, mãe! Foi sem dó, dois pés na porta e fogo no pavio A alma morta e o corredor vazio Os nós eu apertei, chance nao ia ter outra Com pó, a mente louca pra amarrar as pontas soltas Mãe, ninguém me viu como era de costume Ninguém sentiu, mas de morte era o perfume Conhecia bem, sensação que não faz bem Mas bem, a intenção não era poupar ninguém Lembra quando eu tinha cinco lá trancado no banheiro Enquanto tu te afundava em crack, lata e isqueiro Vômito na privada, mas era meu esconderijo A única coisa que eu sentia? A porra do cheiro de mijo, mãe! Eu te falei que o problema era eles Eu te contei que eu sentia raiva deles Uma, duas, três vezes e tu não fez nada Lembra que eles colocaram minha cabeça na privada? Na primeira foi o óculos, na segunda foi um osso Na terceira foi meu rosto que desfiguraram a socos Em casa, caminha banhada e a cara com cortes Outra vez tu não fez nada, só me mandou virar homem, mãe Eu tentei, revidei, eu juro Mas talvez fosse mais forte se não viesse prematuro Quem sabe diferente se quando tu fez o teste Não tivesse enchido a porra do cú de Citotec, mãe Tu não sabe o quanto é foda, mas eu sei Me chamaram tanto de merda que eu mesmo acreditei Me cortei, e você dando por pino, então me escuta Só ali eu entendi que eu era um filho da puta Perdido, quarenta kilos com asma e fraco Fodido, só servia pra ser de pancada saco Nem mesmo as boas notas me fizeram ter respeito Motivo de chacota, mãe, eu nunca fui aceito Eles riram, e eu ouvi Eles cuspiram, e eu senti Quantas vezes eu chorei sem saber porque motivo Tu nao sabe quantas vezes eu pensei em suicídio E assim foi o primeiro ano, e o segundo ano Terceiro, quarto, quinto e sexto, todos esses danos Chapada demais abafou com quentes panos E eu não aguentando mais tentei bolar um plano Só tinha quatorze, mas cansado, morimbundo Imaginei que se eu cheirasse ia esquecer de tudo Talvez por um momento, um tempo, afinal Só o que eu queria era ser um cara normal Tu bêbada, mó treta, no quarto me deixou só Revirei tua gaveta pra tentar achar o pó Ia ser igual você, aliviar na pedra ou erva Mas achei um cano com quatro pentes reserva Pensei: Que porra é essa? Talvez é pura sorte Na hora eu lembrei tu mandando eu virar homem Então é isso mesmo, escondi com a apostila Juntei todos os cartuchos, joguei dentro da mochila Esperei a noite inteira, eu me senti tão forte Na minha cabeça fui listando vários nomes Datas, tudo apodreceu minha lembrança Marcas, tudo que fodeu a minha infância E eu fiz questão de eles saber qual era o gosto Pra essa ação eu nem quis esconder o rosto Apetite febril. Motivação? Mágoa e desgosto Eu nunca fui hostil mãe, mas criaram um monstro Eu não sei, não sinto as minhas mãos Duas balas na cabeça e meu sangue pelo chão Tudo em vão, destino traçado no breu E são todos vocês tão culpados quanto eu Vocês foram cruéis, eu fui sanguinário Talvez empatia mudasse esse cenário Mas foram coniventes pra que tudo e encaixasse Mente doente, bala no pente, bullying, resultou em massacre Sem brilho no olho, e eu não sei pra onde vamos Esse gatilho foi todos nós que puxamos Falta de amor paterno, materno e externo Mãe, nunca te esqueça do teu filho aqui no inferno