A seca avança em Minas, Rio, São Paulo O Nordeste é aqui, agora No tráfego parado onde me enjaulo Vejo o tempo que evapora Meu automóvel novo mal se move Enquanto no duro barro No chão rachado da represa onde não chove Surgem carcaças de carro Os rios voadores da Iléia Mal desaguam por aqui E seca pouco a pouco em cada veia O Aquífero Guarani Assim do São Francisco a San Francisco Um quadro aterra a Terra Por água, por um córrego, um chovisco Nações entrarão em guerra Quede água? Quede água? Quede água? Quede água? Agora o clima muda tão depressa Que cada ação é tardia Que dá paralisia na cabeça Que é mais do que se previa Algo que parecia tão distante Periga, agora tá perto Flora que verdejava radiante Desata a virar deserto O lucro a curto prazo, o corte raso O agrotóxico, o negócio A grana a qualquer preço, petro-gaso Carbo-combustível fóssil O esgoto de carbono a céu aberto Na atmosfera, no alto O rio enterrado e encoberto Por cimento e por aslfalto Quede água? Quede água? Quede água? Quede água? Quando em razão de toda a ação humana E de tanta desrazão A selva não for salva, e se tornar savana E o mangue, um lixão Quando minguar o Pantanal e entrar em pane A Mata Atlântica tão rara E o mar tomar toda cidade litorânea E o sertão virar Saara E todo grande rio virar areia Sem verão, virar outono E a água for commoditie alheia Com seu ônus e seu dono E a tragédia da seca, da escassez Cair sobre todos nós Mas sobretudo sobre os pobres outra vez Sem terra, teto, nem voz Quede água? Quede água? Quede água? Quede água? Agora é encararmos o destino E salvarmos o que resta É aprendermos com o nordestino Que pra seca se adestra E termos como guias os indígenas E determos o desmate E não agirmos que nem alienígenas No nosso próprio habitat Que bem maior que o homem é a Terra A Terra e seu arredor Que encerra a vida aqui na Terra, não se encerra A vida, coisa maior Que não existe onde não existe água E que há onde há arte Que nos alaga e nos alegra quando a mágoa A alma nos parte Para criarmos alegria pra viver O que houver para vivermos Sem esperanças, mas sem desespero O futuro que tivermos Quede água? Quede água? Quede água? Quede água? Quede água