Aqui no fundão vira-e-mexe estão nos perguntando como nós enxergamos o mundo Observamos a realidade, tá ligado? Mas pouca vezes nos dão oportunidade De dizer como nos sentimos diante dele, tá ligado? Sou perseguido por pesadelos Lembranças amargas que torturam o pensamento Tive um pai alcoólatra que sempre me espancava Desequilibrado sob efeito da cachaça Fúria, raiva, angústia, vai vendo Uma criança crescendo com ódio, com veneno Uma infância de desprezo, dor Ausência de carinho, respeito, amor Palavras que não fizeram parte da minha vida As lembranças dolorosas rasgam as feridas Meu pai, dominado, não superou o álcool Só parou com as bebidas quando entrou em óbito Minha irmã mais velha seguiu a mesma sina Morreu viciada em álcool, cocaína Cresci vendo essa destruição em larga escala Como se fosse a epidemia aqui na quebrada Como se fosse uma turbulência persistente Mas o rap me fez refletir e pensar diferente Me mostrou que não é natural a violência Que as tragédias são impostas pelo sistema Que o estudo é escudo, a vida é uma escola Tem que se esquivar do crime, das drogas De tudo que entorpece a mente da periferia Sentimentos derrotistas são armas da burguesia O gueto é assim Pra você e pra mim Não desisto de lutar Sempre vou resistir O gueto é assim Pra você e pra mim Não desisto de lutar Sempre vou resistir Escola deteriorada, bairro na pobreza Criminalidade, miséria, tormenta Sobrevivendo às armadilhas do sistema Trinta e oito anos resistindo à violência Trampo precário, transporte sucateado Mais de duas horas pra chegar ao trabalho Doze horas fora de casa diariamente Esse é o tipo de vida que querem que eu aceite Conformadamente e com passividade Sem rancor, indignação, ódio de classe Sendo que a minha moradia é uma casa no morro Cinco pessoas dividindo o espaço de dois cômodos Sobrevivendo numa condição tensa Caralho, essa porra é a linha da pobreza Aí playboy, você tem sorte, muita sorte Que através do rap consigo descarregar as neuroses Através dos livros vou entendendo o sistema Que historicamente nos empurra para a pobreza Para o crime, drogas, descaso social Sei que a maior prisão é a mental O potencial do rap transforma vidas Minha rima é insurgência na periferia Acredito nas crianças, nelas eu tenho esperança De que o gueto pode se libertar da ignorância Pois o ódio aqui é um fator Articulado politicamente pelo opressor Sempre mostro aos meus filhos as alternativas A importância da autoestima pra periferia Somos um povo de luta, nosso legado é quilombola Somos a transformação que o mundo implora É do gueto que floresce a luta combativa Sabedoria do gueto é lutar pela vida O gueto é assim Pra você e pra mim Não desisto de lutar Sempre vou resistir O gueto é assim Pra você e pra mim Não desisto de lutar Sempre vou resistir O gueto é assim Pra você e pra mim Não desisto de lutar Sempre vou resistir O gueto é assim Pra você e pra mim Não desisto de lutar Sempre vou resistir