Na madrugada claustrofóbica sem muita ideia Imergi em um sono profundo No Olimpo, Orfeu toca lira sem plateia E no corpo carnal penetra um vírus fecundo Um ataque mitológico em disseminação Escutando o som da lira em quarentena geral Deuses, humanos, ciclopes perdendo a respiração Confinados isolados no éden digital Para o corpo humano essa doença é mortal E a mascará abraça filhos, pais, netos e avós Preservando a mãe distante do afago social Em todos cantos do mundo há povos tristes e sós Postos, plantões e hospitais lotados sem precedentes Avenidas e ruas completamente desertas Asclépio não tem vacina estão morrendo serpentes Cadáveres amontoados com um aviso de alerta A pandemia revela minha insignificância A solidão mostra com muito mais clareza O vazio da minha ambição e arrogância Que tirou de mim a empatia e gentileza Aproveito a fantasia para refletir Enquanto Caos assiste Tártaro flertar com Gaia Sou escravo de Cronos que decidiu me engolir Sou um tifão com remorso, monstro recebendo vaia Sozinho comigo eu não passo ileso E finalmente tenho tempo para mergulhar Na falsa mansidão que eu escolhi ficar preso E percebo que esconder erros também faz sangrar De que vale eu engolir o mundo Se por dentro sinto um vazio sem fim Perfis sociais em busca de vida eu circundo Porque não consigo achar vida dentro de mim E Odin e Zeus começam a ser temas de conselhos Dizendo que o vírus é um mal necessário E o doente morrendo respira por aparelhos E Jesus chega depois é o próximo adversário E a vaidade que protege o trono perde o juízo Faz procurar a alma gêmea no reflexo da água Tagarelando vozes morre afogado Narciso E a pedra Eco ressoa a flor infértil da magoa E o meu egoísmo é uma aquisição de bens Preenchendo o vazio da libido que atormenta As lacunas das pulsões sexuais com itens De satisfação individual e avarenta Eu via a depressão do antissocial com desprezo Agora entendo por que sair é um trauma Para enfrentar insanos como eu com esse vezo Que seguem e postam imagens da carcaça da alma Percebo que entendo pouco as injustiças sociais Funcionário, empresário, pastor, artista e motoboy E o jornalista relata que corpos mortos são iguais E o enfermeiro vivo não é pago para ser herói E a minha indiferença começa a enfraquecer A luz da vida ilumina meu senso de loucura Minha sábia superioridade volta a aprender E a sequela da quebrada com humildade se cura E agora eu acordei na realidade ou no sonho? Tem compaixão na minha mente deixando-a confusa Eu era frio feito pedra sem brilho um ser medonho Eu encarava sem medo olho no olho a Medusa A epidemia do meu sonho por fim terminou E agora corro atrás dos meus familiares Por tantas brigas na reclusão a gente se separou Quem sabe exista uma conciliação em novos ares