Numa qualquer manhã, um qualquer ser, vindo de qualquer pai, acorda e vai. Vai. Como se cumprisse um dever. Nas incógnitas mãos transporta os nossos gestos; nas inquietas pupilas fermenta o nosso olhar. E em seu impessoal desejo latejam todos os restos de quantos desejos ficaram antes por desejar. Abre os olhos e vai. Vai descobrir as velas dos moinhos e as rodas que os eixos movem, o tear que tece o linho, a espuma roxa dos vinhos, incêndio na face jovem. Cego, vê, de olhos abertos. Sozinho, a multidão vai com ele. Bagas de instintos despertos ressuma-lhe à flor da pele. Vai, belo monstro. Arranca as florestas com os teus dentes. Imprime na areia branca teus voluntariosos pés incandescentes. Vai Segue o teu meridiano, esse, o que divide ao meio teus hemisférios cerebrais; o plano de barro que nunca endurece, onde a memória da espécie grava os sonos imortais. Vai Lábios húmidos do amor da manhã, polpas de cereja. Desdobra-te e beija em ti mesmo a carne sã. Vai À tua cega passagem a convulsão da folhagem diz aos ecos «tem que ser». O mar que rola e se agita, toda a música infinita, tudo grita «tem que ser». Cerra os dentes, alma aflita. Tudo grita «Tem que ser».