Uma grota, uma sanga E um rancho a beira-chão, Assim era o meu rincão Na costa do caiboaté. A casa, tinha parapeito Onde, nas noites de lua A alma se postava nua Pra assoviar um chamamé. Um jardinzinho na frente Contraponteava o palanque, Um potreiro logo adiante Pra'o pastejar do aguateiro. A madre-silva de cheiro Sombreava a cachorrada, Que dormia esparramada No conforto do terreiro. Um açude, feito espelho Bem pro lado do nascente, Em que a lua espiava a gente Nas noites de primavera; Onde as estrelas cadentes Mergulhavam incandescentes Pra esconder suas quimeras. Bem no moirão da porteira De frente pro corredor, Um joão-de-barro chismeiro No seu ofício de oleiro Se arvorou de morador. De manhã, tocava alvorada Só pra acordar sua amada E declarar o seu amor. Naquele rancho campeiro Se aquerenciou a amizade, Ali morou a verdade Ajoujada com a bonança, Era o baú de lembranças Que eu carregava em glória, Pra guardar a minha história Dos bons tempos de criança. Todo pássaro sai do ninho No dia em que cresce a asa, Eu também saí de casa E abandonei meu cantinho. Amarguei reminiscências, Agora volto à querência, Cansado de andar sozinho. Antes, não tivesse vindo Pra ver o que vejo aqui O lugar em que nasci Com as cercas derrubadas. Onde olho, é terra virada, Taipa e ronco de motor, É o prelúdio do horror, A própria essência do nada. O sangue escuro da terra, Tingiu o campo do fundo, Abriu-se um sulco profundo Mais que na pampa - na alma. A sanga que vagava calma Morreu por soterramento, E a grota, por envenenamento Com a ganância do mundo. No lugar da velha morada Restou um angico solito, Como o último milico Cobrindo uma retirada; Numa gesta desesperada Fincou pé na sua trincheira Na esperança derradeira, De salvar a invernada. Nem a sanga, nem a grota Resistiram ao progresso, Não assistiram o regresso Desse andarengo tordilho, Que sonhou legar aos filhos A pampa íntegra e pura. Porém, a volta foi mais dura, Que uma vida no lombilho. Os sonhos somem no tempo Voam pra longe do alcance. Rancho, potreiro e palanque Ficaram no pensamento; Somente o choro do vento Restou pra contar a história Sobrou apenas memórias E o eco do meu lamento. O clarim do joão-de-barro, Não tocará mais na porteira, Nem a coruja breteira Descansará nas lonjuras, Só haverão desalentos Pra quem campereou sustento No verde destas planuras. Dou de rédeas no meu flete, E saio batendo na marca, Com a sisma de um monarca Que perdeu o seu reinado. Vou me arranchar no povoado No balcão de alguma venda, Beber saudades da fazenda, E ruminar o meu passado. Venho basteriado de tempo, E das andanças machaças; Vou afogar na cachaça Minha vocação de campeiro, Depois de velho... povoeiro, Sobrevivendo de changa. Me enterrem junto com a sanga Quando apagar meu luzeiro.