Eu te abraço, negro irmão, que vieste do além oceano À este pago soberano como parte do meu chão Sinônimo de amplidão, de céu e pampa deserto Nas horas certas e incertas pra integrar no debucho No coração do gaúcho, sempre de portas abertas Aqui não há preconceitos, de cor nem religião Aqui qualquer cidadão desfruta do mesmo direito Vale apenas o que se traz no peito, na querência farroupilha Ser preto a ninguém humilha, nesta gloriosa planura Que a noite é também escura e tem estrelas que brilham Aqui não há mais, nem menos, nem ricos, pobres ou afortundos Não há grandes e nem pequenos Mas os conceitos serenos a séculos emitidos pelos negros decididos que demarcaram fronteira Quando a pátria brasileira dava os primeiros vagidos Aqui não há quem levante para desprezar um irmão, olhando a coloração pra nós tampouco importante Ela é insignificante no rio grande tapejara, a pele jamais separa Eu sempre afirmo e repito - não há Deus que tenha dito que a cor devesse ser clara Desde o primeiro momento, aqui neste mundo aberto, o negro foi um liberto de parceria com o vento Irmandado ao sentimento, gaúcho de liberdade Dentro da fraternidade, nossa marca de nascença Que atrás da nuvem mais densa, sempre existe a claridade São conceitos que eu endosso, e a minha gente endossa Numa pátria como a nossa, que o destino é o mesmo nosso Ao te abraçar eu remoço, aberto ao entendimento Meu irmão de sentimento, trilhando o mesmo caminho Com respeito e carinho, sem pensar em pigmento Neste rio grande altaneiro, és um pedaço de glória Como parte da memória, no nosso culto guerreiro E o clarim de nico ribeiro, de bento - herói dos farrapos Teixeira nunes e os seus guapos, lanceiros negros, legendas Que andaram abrindo fendas, são pátrias vestindo trapos Nas lidas do pastoreio, nas epopeias da raça Tu sempre fizesse traça de peleador sem receio, nas estâncias ou rodeios Ou lidando com carretas, charqueando na paleta o redomão aporreado Ou quase santificado na figura da mãe preta Negro que foi changueador, negro que foi guitarreiro Negro foi carreteiro, rastreador, sempre misturando a cor No meio da escuridão, buscando uma direção que só o instinto conduz Pra que não morresse a luz da confiança do patrão Negro caudal de paciência, negro caudal de bravura Negro caudal de ternura, amor e inteligência Negro que aqui na querencia aos nativos se integra Não como figura escrava mas destorcido e viril Parte viva do Brasil, sempre que a pátria chamava Não é difícil situá-lo, na história desde os algorez Foi ele um dos campeadores, que fez pátria d'cavalo É fácil emoldurá-lo portando lança e garrucha É a legenda que repucha, não como colono ou imigrante Mas como parte integrante da própria cepa gaúcha Bendito negro, por tudo que tu nos deste Enfrentando a sorte agreste do velho pampa infinito Glorioso são benedito, da estampa mais pincipesca A tradição barbaresca ponteou do mapa um pedaço E te fez tento do laço da formação gauchesca Estás tão integrado conosco, negro amigaço, que mais que um tento de laço És presente, passado e futuro, projetado na pátria que também és dono Junto ao índio e ao colono, teus irmãos de sentimento No topo do monumento, sentados no mesmo trono Teu folclore, religião e vocabulário São partes do dicionário e do linguajar deste chão E teus deuses ai estão, pois diferença não há Temos o mesmo oxalá e o mesmo Deus que adora E a mesma nossa senhora, que tu chamas de Iemanjá Temos o mesmo negrinho, que é um santo sulenho O negro do pastoreio, dono do nosso carinho Que a noite anda no caminho iluminando o andante Num exemplo emocionante pro resto da humanidade Porque só com fraternidade se pode seguir adiante