Jayme Caetano Braun

Payada ao Negro

Jayme Caetano Braun


Eu te abraço, negro irmão, que vieste do além oceano
À este pago soberano como parte do meu chão
Sinônimo de amplidão, de céu e pampa deserto
Nas horas certas e incertas pra integrar no debucho
No coração do gaúcho, sempre de portas abertas

Aqui não há preconceitos, de cor nem religião
Aqui qualquer cidadão desfruta do mesmo direito
Vale apenas o que se traz no peito, na querência farroupilha
Ser preto a ninguém humilha, nesta gloriosa planura
Que a noite é também escura e tem estrelas que brilham
Aqui não há mais, nem menos, nem ricos, pobres ou afortundos
Não há grandes e nem pequenos
Mas os conceitos serenos a séculos emitidos pelos negros decididos que demarcaram fronteira
Quando a pátria brasileira dava os primeiros vagidos

Aqui não há quem levante para desprezar um irmão, olhando a coloração pra nós tampouco importante
Ela é insignificante no rio grande tapejara, a pele jamais separa
Eu sempre afirmo e repito - não há Deus que tenha dito que a cor devesse ser clara
Desde o primeiro momento, aqui neste mundo aberto, o negro foi um liberto de parceria com o vento
Irmandado ao sentimento, gaúcho de liberdade
Dentro da fraternidade, nossa marca de nascença
Que atrás da nuvem mais densa, sempre existe a claridade
São conceitos que eu endosso, e a minha gente endossa
Numa pátria como a nossa, que o destino é o mesmo nosso
Ao te abraçar eu remoço, aberto ao entendimento
Meu irmão de sentimento, trilhando o mesmo caminho
Com respeito e carinho, sem pensar em pigmento

Neste rio grande altaneiro, és um pedaço de glória
Como parte da memória, no nosso culto guerreiro
E o clarim de nico ribeiro, de bento - herói dos farrapos
Teixeira nunes e os seus guapos, lanceiros negros, legendas
Que andaram abrindo fendas, são pátrias vestindo trapos

Nas lidas do pastoreio, nas epopeias da raça
Tu sempre fizesse traça de peleador sem receio, nas estâncias ou rodeios
Ou lidando com carretas, charqueando na paleta o redomão aporreado
Ou quase santificado na figura da mãe preta

Negro que foi changueador, negro que foi guitarreiro
Negro foi carreteiro, rastreador, sempre misturando a cor
No meio da escuridão, buscando uma direção que só o instinto conduz
Pra que não morresse a luz da confiança do patrão

Negro caudal de paciência, negro caudal de bravura
Negro caudal de ternura, amor e inteligência
Negro que aqui na querencia aos nativos se integra
Não como figura escrava mas destorcido e viril
Parte viva do Brasil, sempre que a pátria chamava

Não é difícil situá-lo, na história desde os algorez
Foi ele um dos campeadores, que fez pátria d'cavalo
É fácil emoldurá-lo portando lança e garrucha
É a legenda que repucha, não como colono ou imigrante
Mas como parte integrante da própria cepa gaúcha

Bendito negro, por tudo que tu nos deste
Enfrentando a sorte agreste do velho pampa infinito
Glorioso são benedito, da estampa mais pincipesca
A tradição barbaresca ponteou do mapa um pedaço
E te fez tento do laço da formação gauchesca

Estás tão integrado conosco, negro amigaço, que mais que um tento de laço
És presente, passado e futuro, projetado na pátria que também és dono
Junto ao índio e ao colono, teus irmãos de sentimento
No topo do monumento, sentados no mesmo trono

Teu folclore, religião e vocabulário
São partes do dicionário e do linguajar deste chão
E teus deuses ai estão, pois diferença não há
Temos o mesmo oxalá e o mesmo Deus que adora
E a mesma nossa senhora, que tu chamas de Iemanjá
Temos o mesmo negrinho, que é um santo sulenho
O negro do pastoreio, dono do nosso carinho
Que a noite anda no caminho iluminando o andante
Num exemplo emocionante pro resto da humanidade
Porque só com fraternidade se pode seguir adiante