Entre os amigos que tenho, Irmãos da lida campeira, Há um cusco baio cólera Que vai junto, quando saio. Botei-lhe o nome de raio Pois é um raio de ligeiro, E não há melhor parceiro Do que o meu cachorro baio. Voltava, um dia, do povo, Ao tranco do meu tordilho, Assobiando um estribilho Pra encurtar a madrugada, Quando ouvi, sobre a calçada, Um lamentoso ganido. Era um cusquinho encolhido Quase coberto de geada. Sem mesmo apear do cavalo Peguei o cusquinho veio E botei sobre o arreio Onde se ajeitou tremendo, Parece que está sabendo Que estava junto de alguém Que conhecia também As mágoas de andar sofrendo. Só quem não tem coração, Ou não tem bom sentimento, Ignora o sofrimento Dos deserdados da sorte, Desses que vagam, sem norte, Á margem da caridade. Pois sem calor de amizade A vida é pior que a morte. E assim o cusquinho feio Foi morar no meu galpão. É um amigo, desde então, Sempre ao meu lado presente. É o afeto permanente Refletido com ternura Naquela estranha doçura Com que o cusco olha pra gente. Foi crescendo e aprendendo O serviço de campanha, E na lida me acompanha Sempre ativo e oportuno. Dá gosto ver o reiúno Sair de dentro do mato Igualzito um carrapato No focinho dum turuno. E até parece mentira, Hoje o amigo cusquinho Pára rodeio sozinho Igual ao peão mais campeiro, Traz boi manso do potreiro E é de lei, caçando paca, Ou no rasto duma vaca, Dessas que esconde o terneiro. Vai comigo, quando saio, Pra cuidar dos meus arreios. E até quando carpeteio Fica ali, a espera do grito, Sobre os garrões, sentadito Bombeando, cheio de alma, Como quem diz: - patrão! tem calma, Que eu não largo deixo solito. Ainda lembro que uma vez Meu cusco quase morreu. De um coice que recebeu Dum redomão, na mangueira, Doutra feita, uma cruzeira, O mordeu, não tinha cura, Mas com leite e benzedura Salvei meu baio cólera. E agora vieram dizer-me Que um cachorro enloquecido. Mordeu meu cusco querido, E ele precisa morrer. Não há mais o que fazer É a solução, crua e cega, Mais meu ser todo se nega A cumprir esse dever. E ali está o meu cusco baio Naquele esteio amarrado Olhando tristonho e parado, Como, a pedir-me socorro, Se mata-lo, sei que morro. É muita barbaridade Pois eu só vejo amizade Nos olhos do meu cachorro.