Um pealo --- um tombo --- grunhidos de impotente rebeldia, o sangue da cirurgia No laço e no maneador. Nada pra tapear a dor do potro que --- sem saber, perdeu a razão de ser na faca do castrador. Há um bárbara eficiência nessa rude medicina, a faca é limpa na crina que alvoroçada revoa, pouco interessa que doa, a dor faz parte da vida. Há de sarar em seguida, desde guri tem mão boa. Aprendeu --- nem sabe como, a estancar uma sangria. Sem noções de anatomia é um cirurgião instintivo que --- por vezes --- pensativo, afundou na realidade da crua barbaridade desse ritual primitivo. Já faz tempo --- muito tempo, que um dia --- na falta doutro, castrou seu primeiro potro, um zaino negro tapado. Que pena vê-lo castrado, o entreperna coloreando e os olhos recriminando, num protesto amargurado. Depois do zaino --- um tordilho, depois --- baios e gateados, um por um sacrificados pela faca carneadeira e o rude altar da mangueira a pedir mais sacrifícios dos bravos fletes patrícios, titãs de campo e fronteira. Por muitos e muitos anos andou nos galpões do pampa, castrando pingos de estampa com renomada experiência, cavalos reis de querência, parelheiros afamados, pela faca condenados a morrer sem descendência. Às vezes, durante a noite, um pesadelo o volteia e o remorso paleteia. Castrador!... que judiaria! E quando sem serventia por aí deixar semente no mundo onde há tanta gente pedindo essa cirurgia. E ali está --- defronte ao rancho, pastando o mouro do arreio, pingo de campo e rodeio que castrou --- quando potrilho. O mouro --- mesmo que filho do xirú velho campeiro, o último companheiro do seu viver andarilho. Na primavera --- outro dia, um potranca lazona, linda como temporona, vestida em pelagem de ouro, veio se esfregar no mouro, mordiscando pelo e crina, mais amorosa que china num princípio de namoro! E o mouro? --- pobre do mouro! Não pode ter namorada. Veio, direto à ramada, numa agonia sem fim, olhando pro dono, assim, num bárbaro desespero, como dizendo: parceiro, vê o que fizeste de mim!!