Feliz ano novo, indiada Feliz ano novo, gente É a maneira reverente De iniciar esta payada Nesta hora iluminada De pátria e de melodia E o payador se arrepia De tradição campesina Na primeira sabatina Do ano que principia Cerimônia não preciso Para cantar quando falo Porque nasci de a cavalo No lombo de um improviso Canto até o dia do juízo No estilo missioneiro E o meu verso galponeiro Dispensa qualquer prefácio E tanto entra num palácio Como num rancho posteiro O ano novo parido Anda aí, fazendo as suas Pelos campos, pelas ruas Potrilho recém lambido Ainda não tem apelido Porque é meio bagualão Difícil de dar a mão E bombeando, desconfiado Como China de soldado Em tempo de prontidão Os homens do mundo inteiro Fizeram um ajuntamento Pra assistir o nascimento Desse piazito, janeiro E aqui, no pago campeiro Toda indiada se reuniu E reverente, assistiu Com ternura, com afinco Pra ver o noventa e cinco Que a noite grande pariu Aqui no povo, as famílias Fazem o tal réveillon Mas lá no campo, onde o som É do vento nas flechilhas Nós só fazemos vigílias Quando se reúne a peonada Na volta da madrugada Ouviu-se um berro de touro O ano macho, em vez de choro Já nasceu dando risada Sendo macho, é sempre assim Já nasce enrugando a testa Porque não vem para festa De circo de borlantim Esse vai ser de cupim Gritava um índio de lá Vai ser buerana esse piá Se não der urucubaca Umbigo cortado a faca E enleado num xiripá Eu ia bombeando o céu Na hora do nascimento E ouvindo o choro do vento Num barbaresco te-deum Depois tapeei o chapéu Meio pra espantar o sono Memoriando com entono Do índio da timbaúva Que ano novo é como chuva Não tem patrão e nem dono Entre um trago e um amargo Recostado num esteio Bombeava o piazito feio Mas taludo, sem embargo Sentindo no campo largo Cheiro de pasto e incenso Naquele desejo imenso De que este ano que nasce Faça que o homem se abrace No amor da paz e o bom senso Isso é um sonho, talvez seja Do payador que improvisa Mas um sonho se realiza Se com fé a gente o deseja Mas pra mim que tenho a igreja No altar da geografia Guardo essa filosofia De cruzador sem parança Se não houvesse esperança Tudo que é pobre morria Mas vou dar uma cruzada Lá pras bandas de São Luiz Onde deixei a raiz Pra todo o sempre encravada Terra santa colorada De sangue guasca tingida Terra mil vezes querida Morada de São Sepé Ali onde a indiada de fé Nasce com a alma encardida Cruzando o Piratinim Vou ver as pedras no fundo Santo pedaço de mundo Que deixei mas não perdi Voltar de novo a guri À infância e adolescência Rever de novo a querência Num verdejo espiritual Meu velho pago Natal Onde mamei inocência Depois - seguir olfateando Os recuerdos de criança Procurando a sombra mansa Onde me criei tropeando E logo adiante cruzando No passo da laranjeira Lá onde uma bugra parteira Segundo o ritual antigo Fez enterrar meu umbigo Na raiz duma figueira Depois matar a saudade Se é que a saudade se mata Bombeando a Lua de prata Tropeando na imensidade A infância e a mocidade E as ânsias deste índio quera E as flores da primavera Que sem querer esmaguei E os sonhos que não domei Lá no rincão da tapera Mas paro porque a emoção Já me fez perder a calma Tenho urumbevas na alma E um cerro no coração Há um chamado de amplidão Que para longe me toca Atração que se convoca De acordo com as velhas leis Vou dançar ternos de reis Nos ranchos da Bossoroca!