Sertanejo não tem mais por quem chame Não terá como nunca teve antes Porque todos os seus representantes São barões e filhinhos de madame Passeando em Brasília e em Miami Ipanema, Gramado e Guarujá Muito longe do voo do carcará Tão distantes da sombra do muquém Entra ano, sai ano e nada vem O sertão continua ao Deus-dará Todo ano recursos são criados Pra salvar o Nordeste brasileiro Mas ninguém vê a cor desse dinheiro Muito menos os pobres flagelados Os bilhões e bilhões são desviados Com farinha, feijão, arroz e chá Fica tudo nas mãos de marajá Prefeitura, galpão e armazém Entra ano, sai ano e nada vem O sertão continua ao Deus-dará Quando a seca esturrica o meu sertão O problema se torna mais sinistro O governo despacha algum ministro Para vir conhecer a região Ele vê a miséria de avião Faz promessa, discurso e blá-blá-blá Garantindo recursos que não há Prometendo dinheiro que não tem Entra ano, sai ano e nada vem O sertão continua ao Deus-dará Essa tal emergência é uma piada Que humilha e ofende o camponês Condenado a lutar de seis a seis Transformado em cassaco de estrada Obrigado a trocar a sua enxada Por um carro de mão e uma pá E o salário no fim do mês não dá Pra comer rapadura com xerém Entra ano, sai ano e nada vem O sertão continua ao Deus-dará Assim vive o sertão com sua gente Sofredora, oprimida e infeliz Se mudando para o Sul desse país E desejando o Nordeste independente Enganando o jejum com aguardente Mastigando um pedaço de preá Combatendo os espinhos de juá E embalado na busca do revém Entra ano, sai ano e nada vem O sertão continua ao Deus-dará É preciso que alguém se manifeste E apareça um sujeito de coragem Pra poder desmanchar a engrenagem Que emperra o progresso do Nordeste Ou então o sertão cabra da peste Qualquer dia não mais aguentará Expulsando os políticos ruins de lá Que votar em corruptos não convém Entra ano, sai ano e nada vem O sertão continua ao Deus-dará Afinal sertanejo nordestino Para o Brasil é somente mão-de-obra Coisa ruim para ele tem de sobra Não consegue mudar o seu destino Aguardando um milagre do Divino Ou um outro Getúlio ou Jota-cá Apegado a promessa e patuá E invocando os espíritos do além Entra ano, sai ano e nada vem O sertão continua ao Deus-dará No sertão quando é tempo de eleição Os políticos se mandam de Brasília Deixam lá as mansões e a família Para vir pedir voto no sertão Inventando pra tudo solução Sustentando que nada faltará Quando passa eleição somem de lá Nunca mais dão notícia a seu ninguém Entra ano, sai ano e nada vem O sertão continua ao Deus-dará É difícil um ministro, senador Calcular quanto vale um sertanejo Para alguns é apenas um despejo Elemento volúvel sem valor No sertão nunca chega um salvador Quando chega é algum Ali Babá E os quarenta ladrões de Bagdá Se transformam em sessenta, oitenta e cem Entra ano, sai ano e nada vem O sertão continua ao Deus-dará