“Se o mar está calmo, É claro que precisa escurecer E se me cai uma lágrima Essa lástima alguém vai ter que beber.” Afundei o navio negreiro do meu coração Não me sinto escravo de nada, sei nadar, Mas ele ainda singra na memória Como o sangue derramado no mar. De além-mar ao sul do Gabão A dor que se vê na pele, vai te afogar E ainda que falte ar à história Uma rima me faz respirar. Poetas e marujos mergulham na solidão Enquanto nos becos sujos -ou em porta de bar Do fundo da noite sem estrelas O canto torto das galés vai se fazer escutar. “Se o mar está calmo, É claro que precisa escurecer E se me cai uma lágrima Essa lástima alguém vai ter que beber.” Calar a boca branca da escuridão Com o grito retinto da voz lunar Usar uma letra faminta, como isca, Que belisca quem não sabe pescar. Nas noites profundas da imensidão Um poema revolto agita beira-mar Um povo com os pés limpos de areia Outrora nau sem rumo, vai se encontrar. E o canto torto das galés vai se fazer escutar: “Se o mar está calmo, É claro que precisa escurecer E se me cai uma lágrima Essa lástima alguém vai ter que beber.” Ao amanhecer da noite juntar as mãos Para que nenhuma fique livre para açoitar Vamos cuspir o navio encravado na garganta Para que em negras lágrimas não se navegue mais.