Tudo começa e tudo acaba de repente Como a promessa de um amor que não se sente A vida é pressa e o passado é tão recente E nada muda isso por mais que se tente O acidente apareceu no meu caminho Depois de uns copos de vinho peguei no carro sozinho Parti tão cedo com medo do meu final E estou agora no meu próprio funeral Enquanto quatro tábuas seguravam meu corpo A minha alma ia fugindo a pouco e pouco Foi tão difícil sair daquele sufoco Agora sei que deixei este mundo louco Fui subindo lentamente, assistindo atentamente Aos que desalmadamente choravam minha partida E são tantos os encantos que a mente me elucida Achei que a minha missão foi cumprida em vida Mas o encanto foi breve como um estudante em greve Pois vi mais heterônimos do que o Pessoa teve (Pessoa era um poeta famoso português) Alguns anônimos pra saciar a sua sede Daquela foto que só fica bem a quem se atreve Eu vi ainda gente que não me falava há meses Era bem-vinda a hipocrisia que existia nesses Ouvi à ida dois que me julgaram tantas vezes Com o mesmo cérebro que pareciam siameses Enquanto outro consolava a minha namorada Como um abutre que encontra a presa morta na estrada A falsidade era evidente em cara descarada E eu à frente, impotente sem poder fazer nada Já o descansa em paz apraz em eminência A curto prazo sou capaz de vir a ser tendência No Facebook e vai haver sempre quem poste Aquele emoji com uma lágrima Lacoste Condolência em incongruência Minha excelência dará dicas por esta experiência Se queres ser bem falado por toda a gente É só fechares os olhos eternamente Sei que andei de mãos atadas pra não falhar a ninguém Mas fui eu que dei voz às palavras neste fado que enfrentei Minha vida, minha joia Investi da minha história O que fica são memórias Minha vida, minha joia A minha filha, eu vi minha filha também Desolada partilhava a dor com a minha mãe Onde é que está o pai? Por que é que o pai fugiu? Eu gritei bem perto dela e ela não me ouviu Maria, dá a mão ao teu avô, ele vai-te ensinar Tudo aquilo que a mim ensinou E quando te sentires sozinha olha pra cima E caminha pelas pegadas que o pai te deixou Vi meus amigos, aqueles verdadeiros sim Mesmo no fim nunca saíram de perto de mim Daqui a uns anos, manos, juntamo-nos novamente Brindamos prevalecendo o que é de sempre e para sempre Eu sei que agora é indecente falar nisto nas Horas que passam e só pra alguns é que ainda existo mas Os que me prezam, rezam, os que desprezam, riem Demônios não revezam, aos santos que me guiem E já no purgatório, processo obrigatório De acesso ao território inglório pra um pecador O falatório permanecia notório às portas do cemitério, critério desolador Avancei ao meu destino com ar submisso E nesse compromisso vi uma luz e disse Não me importa se vou para o céu ou inferno, o que hoje vi Longe de mim ter um descanso eterno E foi então que eu acordei daquele pesadelo O coração batia forte por esse momento Tive a ambição de desejar não mais voltar a tê-lo E uma lição que fez mudar todo o meu pensamento Só depois de falecer é que alguém saberá Que é fácil de perceber quem sempre estará lá Vou amar os meus cada segundo que estou cá Já que a vida são as férias que a morte nos dá Sei que andei de mãos atadas pra não falhar a ninguém Mas fui eu que dei voz às palavras neste fado que enfrentei Minha vida, minha joia Investi da minha história O que fica são memórias Minha vida, minha joia