E aí, Pensador? Fala, coé Tá esperando que ônibus aí? 175 Ih, corre que tá saindo um alí agora Falo então, vou lá Valeu Mais um dia mais um ônibus que eu peguei no rio Um ônibus tranquilo, estava vazio E a cidade engarrafada como não podia deixar de ser Viagem demorada O que fazer? Sem nenhuma mulher por perto pra bater um papo esperto Resolvi escrever um rap a mais, Mas não estou bem certo Sobre o que eu vou rimar, diz aí trocador (ah, sei lá) Então eu vou no instinto pego um papel e vamos vê o quê que dá Foi nesse instante em que eu olhei pela janela E que susto eu levei Era ela A inflação estampada na vitrine Atingiu meu coração E deu vontade de partir pro crime Porque o que eu quero comprar já não dá mais A não ser que eu faça como fez o Ferrabrás (quem?) Então eu tento esquecer Continuar a rimar Mas o que eu vejo do outro lado é duro de acreditar Mas é real E a realidade dói demais São dois mendigos se matando pelos restos mortais De um cachorro qualquer que foi atropelado E vai virar rango e se der Talvez seja assado (Hmmesses nojentos gostam disso?) não arrombado Aquilo é um ser humano que chamaram de descamisado Um desesperado Um brasileiro como eu Que deve sempre perguntar (será que existe mesmo Deus?) Não é o pensador que vai tentar responder Eu continuo rimando tentando esquecer Porque esse rap não é sobre nada especial É o rap do 175 que eu peguei na central E de repente o ônibus começou a encher Entrou mais gente, houve um tumulto, alguém gritou e eu olhei pra ver Quê que é isso? Quê que tá pegando? Quê que tá havendo? É um assalto malandro! Será que você ainda não tá percebendo? O desespero do trabalhador começou, e eu também tentava esconder meu dinheiro quando alguém falou Libera esse aí que é o Pensador mané! Mas eles eram meus fãs, então levaram meu boné Autografado né Pensador se liga! Alguns acharam que eu era cúmplice, quase deu briga Mas a viagem prosseguiu e os ladrões desceram E aí a raiva que subiu na cabeça dos passageiros E o mais injuriado era um bigodudo Que tinha ganhado o salário (Eles levaram tudo) Entraram dois PMs pela porta da frente Estufando o peito e olhando pra gente Impondo respeito Mas os ladrões já tavam longe Num tinha mais jeito Pra priorar levaram o bigodudo como suspeito Ele era preto Coisas desse tipo é difícil esquecer Mas eu vou continuar porque eu já disse a você que Esse rap não é sobre nada especial É o rap do 175 que eu peguei na central Agora estamos passando pela praia de Copacabana Travestis e prostitutas se acabando por grana E os gringos vão achando aquilo tudo bacana O Brasil é um paraíso! As mulheres são boas de cama Ô gringo não força Deixa de ser imbecil Você que vem lá de fora quer entender do Brasil Ha: O Brasil é um paraíso! É mole? E o inferno é onde?! (Peraí Pensador) E por falar em paraíso Olha que loucura Subiu no coletivo uma estranhíssima figura Com uma bíblia na mão e uma cara de débil mental Pregando a enganação da Igreja Universal (Ou será que era alguma outra igreja dessas? Ah num faz mal Igreja de enganar otário é tudo igual) E o coitado foi soltando aquele papo de crente Eu rezando: Deus me dê paciência! Mas o pentelho desceu pra alegria da gente E na saída do ônibus sofreu um acidente Se distraiu e foi atropelado pelo caminhão Morreu esmagado com a bíblia na mão (É morreu? Melhor do que viver nessa ilusão Num queria Deus? Foi pro céu Então) (Num sei não) Enquanto todos se benziam com pena do crente Eu fui rimando Bola pra frente Porque esse rap não é sobre nada especial É o rap do 175 que eu peguei na central E eu percebi que o trocador ficou fazendo careta Prum coroa que passou por debaixo da roleta Era um senhor de óculos, barba branca Ei, peraí (Ei professor, o quê que o senhor tá fazendo aqui? Quê que houve? Foi assaltado? Perdeu o dinheiro?) (Não, é, sabe oquê que é, eu já gastei o salário inteiro) Hm, hm mudei de assunto ele já tava encabulado No meio do mês o salário dele já tinha acabado Era o meu ex-professor da escola (coitado) Tá fudido e mal pago Daqui a pouco tá pedindo esmola Ele é um mestre Um baú de sabedoria Esse num é o valor que um professor merecia Profissional de primeira importância pro nosso futuro Ninguém mais quer ser professor pra num viver duro E ele desceu em outra escola pra dar mais aula (É que eu trabalho nos três turnos Chego em casa e ainda corrijo prova) Tchau professor (tchau Pensador) Desceu mais um trabalhador que tá numa de horror Mas esse rap não é sobre nada especial É o rap do 175 que eu pegueina central E nós agora estamos passando pelo bairro de São Conrado E como o tempo tá fechando eu tô ficando preocupado Ih! Choveu! Pronto tudo alagado Uns vão nadando, outros morrendo afogados E enquanto na favela tem barraco caindo Não é que passa o Prefeito num iate sorrindo E se o nosso ex-presidente estivesse aqui Ele estaria certamente num belíssimo jet-ski Mas como nós não temos embarcação pra todo mundo Essa triste situação tá parecendo o Fim do mundo Pra quem tá de carro Pra quem tá de ônibus Nessa Rio-Babilônia No Brasil do abandono E enquanto os governantes vão boiando sorridentes Vamos remando Bola pra frente Porque esse rap não é sobre nada especial É o rap do 175 que eu peguei na central E o pior de tudo é que nessa grande viagem Nada disso do que aconteceu foi novidade E as autoridades estão defecando Pro que acontece ao cidadão brasileiro no seu cotidiano Porque pra eles isso não é nada especial No dos outros é refresco Num faz mal E fecham os olhos pro que até cego já viu O revoltante retrato da vida urbana no Brasil! E eu não me refiro ao 175 ou qualquer linha da central Eu tô falando do dia a dia a qualquer hora em qualquer local Porque esse rap não é sobre nada especial