Há dias passei no meu bairro e veio-me à ideia Tocar às portas todas para saber quem lá mora Depois pensando bem achei que tinha enlouquecido Já ninguém procura ninguém prefere ser esquecido Um bairro cola-se à memória como a lapa à rocha Só não se lembra do passado quem está falecido Ou tem qualquer doença antiga agora descoberta Um bairro tem forma de amigo com a porta aberta Cansei-me rua acima e abaixo só faltava o arco Julguei ouvir a minha mãe "vem para casa , nandito " Sonhei ver o meu pai a tentar arrumar o carro E gritei : "venha à vontade ainda falta um bocado ". Um bairro é um estalo na cara do tempo perdido Um safanão dos grandes como quem diz " acorda ! " Lá vou eu avenida abaixo a caminho da escola _ mentira, é tudo mentira _ ia jogar à bola . Ganhei na volta ao quarteirão com o zeca mais o hilário Abafei três berlindes e dei um ao adelino No alvalade ia o charlot lá fui com o carlitos Na marquesa de alorna comprámos uns cigarritos Um bairro é uma namorada o princípio do sexo Na havaneza roubei um livro que falava disso O meu irmão mais velho contou-me do bairro alto E o corpo e a inocência deram-me um grande salto Na minha rua havia fábricas e carvoarias Tabernas um amolador e tabacarias E havia aquela costureira que ia lá a casa Que se bem me recordo era uma grande " brasa "... No cimo da avenida vi construir uma igreja Passei a frequentar o sítio gostava do eco Mas o maior encanto era o liceu das raparigas À porta o tói o bastos eu a cantar cantigas Passou o tempo mãe , só tu ficaste no meu bairro Como hoje entendo que só tu quisesses ter ficado É para ti esta cantiga de amor e raiva Para o número sete primeiro esquerdo da acácio paiva .