A fome é a vida dos pobres e foi inventada Por gente que nunca a roubou só porque a fome É nada mas nós, que somos cientistas Da nossa ignorância, lembramos os males do mundo Esquecendo a ganância. A fome é a raiva dos pobres e foi desenhada Com lápis de sangue sugado aos de vida parada. Mas nós, que somos heróis da nossa fraqueza, Dizemos que o melhor ataque é sempre a defesa. Se alguém pergunta quem foi Que deixou tanta fome espalhada, Aparece logo outro alguém a dizer que... afinal Não foi nada!... - e oferecemos cantigas, remorso a quanto obrigas... Mais nada! A fome tem só uma cor é negra de morte À volta ninguém lhe resiste porque ela é mais forte. Mas nós, piamente sentados na nossa indiferença, Marcamos à última hora a nossa presença. Se alguém pergunta quem foi Que deixou tanta fome espalhada, Aparece logo outro alguém a dizer que... afinal Não foi nada!... - e oferecemos cantigas, remorso a quanto obrigas... Mais nada! A fome tem gente por dentro a manobrar. Tem séculos e séculos de vida passada a matar. Se hoje a medalha é fraterna cantando-lhe o verso, Só queria ver o que se esconde no próprio reverso. Se alguém pergunta quem foi Que explorou tanta gente humilhada, Aparece logo outro alguém a dizer: "não sabia de nada..." - e oferecemos cantigas, remorso a quanto obrigas... Mais nada! A fome precisa de ter o final que merece, Porque ela é aquilo que é, não o que parece. Julgamos que a culpa se tapa com tapa-buraco, Mandamos somente impotência metida num saco. Se alguém pergunta quem foi Que explorou tanta gente humilhada, Aparece logo outro alguém a dizer: "não sabia de nada..." - e oferecemos cantigas, remorso a quanto obrigas... Mais nada!