Eu sou o que sobrou da Amazônia, a colônia despedaçada Sou aquilo que resta da floresta desmatada O ouro, o troco, o tudo e o nada O cafuzo e o caboclo, eu sou um pouco de cada Eu sou, as mãos na enxada e os pés na lavoura A herança deixada pela exploração devastadora Terra abençoada pelo plantio Banhada de rios, matas no cio, negros nagôs e navios Eu sou, caravelas em caravanas com caras maus Caras-pálidas com carabinas trazendo caos A senzala, o quilombo e o palácio Cabral, Dom Pedro e José Bonifácio Sou, o senhor de engenho e a não reforma agrária Sou aquilo que eu tenho na minha conta bancaria O fracasso das capitanias hereditárias Garrincha entortando zagueiros dentro da área Um pedaço do tratado de Tordesilhas A mão que tira, mas também sou a que compartilha Eu sou a força dessa gente Que mesmo sem perna ainda tenta caminhar pra frente Eu Sou Eu sou Brasil, eu sou, a pátria mãe gentil A pátria que te pariu, que te pariu, eu sou Brasil Eu sou, o samba, a mulata, o quadril Eu sou, o preço da prata tão vil Eu sou, aquele que mata de terno e gravata E sem precisar de um fuzil Eu sou, a educação por um fio, eu sou Eu sou, o inverno sem frio Eu sou, eu sou brasileiro Um povo herdeiro daquele 22 de abril Eu sou um erro que não se conserta A ferida aberta em carne viva Uma descoberta lucrativa Sou Patativa, Tarsila do Amaral Mais de 500 anos de um problema social A sina da pele preta, perneta, Pelé Ou apelar pra escopeta pra se ter o que quer Pra não terminar na sarjeta como um qualquer Ou dentro duma gaveta com uma etiqueta no pé Sou um legado infeliz, Machado de Assis A locomotriz dessa louca matriz Descentes Zulus e Zumbis, Meretriz Com a mania de achar que aqui é Paris E zombar da raiz, dizimar Kaiowas, Guaranis Estão sós Kaiapós, Kariris Fica a atroz cicatriz, nem Funai nem Green Peace Óh meu pai o que eu fiz, perdoai meu país Vai sem paz diretriz, aqui jaz o juiz Vai por cima das leis debaixo do nariz Meu Brasil, veras que um filho teu não foge a luta Da terra de ninguém, eu sou mais um filho da pátria Eu sou Brasil, eu sou a pátria mãe gentil A pátria que te pariu, que te pariu, eu sou Brasil Eu sou a desigualdade hostil, eu sou a mortalidade infantil Eu sou a inadimplência, a incompetência, desobediência civil Eu sou de fato um retrato sombrio, eu sou um preto de prato vazio Eu sou a intolerância, a ignorância promessa que não se cumpriu