O trem tem gosto de povo Mãos calejadas de operário Olhos miúdos de velhos que fumam Sei lá, que desencantos O Trem tem gosto de povo Um cego tocando no realejo Um bolero de morte O trem parece bicho brabo Estrebuchando pelas serras Pelos ventres coloridos Desses vales violados, ê Vai no seu ziguezaguear Uma velha cruz nas veredas Um di profundis ibérico Uma alma tupi, um gemido inca O maquinista ouvindo seu radinho de pilha Olhos amando as mestiças Que acenam nas estações, lá rá Um povo tão inquieto Um cheiro azedo de cachaça Miséria cheia de graça Muito calor, muito cio, ave O trem tem gosto de povo Crianças chorando cinzentas Bebendo em seios magros Estranhos sonhos de condor Rodas de aço esmagando Ferrugem, sangue, bacamartes Guerras de libertação Estilhaçadas no tempo O trem tem gosto de povo Vai espalhando no mundo Um caminhar latino Latindo baiões e tangos Ou toadas tão ingênuas Passa boi, passa boiada O trem tem gosto de povo Não tem nenhuma pressa E eu sonhando que esse trem Chegue ao seu próprio destino Esse trem sangra um destino Numa ferida aberta, ê