O Neno era sem pai, a mãe que te sustenta. Sofredora, mas não se lamenta. Trabalha em casa de família para não passar fome. O Neno era pivete, hoje tá um homem. Então... Capão Redondo, só cara de chão. Num barraco de madeira entre o esgoto e o lixão. Extremo sul, distante da cidade. Ali mora o descaso, a realidade. A maioria preto e nordestino... ...em São Paulo, sem destino. Criado na rua e sem direito a nada, Neno, mais um moleque da quebrada. Oitenta e sete, me lembro bem, sua mãe desesperada vendo o filho na FEBEM. Parou com a escola, se viciou... ...resolveu sair de casa, o que adiantou? O Neno tá crescendo, sua mãe segue lutando, as coisas tão difícil, dinheiro tá faltando, Ele olha a sua volta e a revolta só agrava, sentimento de culpa o Neno acumulava. Sem dignidade, sem estrutura, doze de idade enfrentando a vida dura, viveu na pele, passou vários 'veneno', ...já ouviu falar do Neno? Os 18 chegou, ganhou maioridade. Filho criado sem pai em meio às dificuldades. A sua mãe serve a Deus numa igreja cristã, e o Neno no crime cheirando até de manhã. A vida deu a ele valores desiguais, a sua dor não era filme, os corpos são reais. Capão Redondo, 3 da madrugada, moleque é metralhado, tá morto na calçada. Era o retrato da rua, assim como é. Finado Quinho, neguinho do Jardim Imbé. Fiquei sabendo que uns caras tavam na sua bota, um justiceiro sangue-ruim, ex-polícia da ROTA. Desacreditadão tava o Neno, rapaz. Só pra cima e pra baixo, de Suzuki, no gás. Criminoso quer IBOPE, quer mostrar que tá bem, até chegar o DEPATRI e tomar tudo o que tem. E por aí o Neno vai, empolgado no sucesso. ".40" e Glock é fácil acesso. Seu mundo agora é esse aí, não tinha mais jeito. Um caminho sem volta, o que tá feito tá feito. E por aqui o Neno é rei é o herói da molecada, mas tem covarde na maldade armando cilada. A inveja é uma merda. Mas tá valendo... ...já ouviu falar do Neno? Aliadão de um mano lá, um tal de Davi. Disse pra mim que é sangue-bom, até então nunca vi. De vez em quando ele cola numa sete galo-preto, é correria no dinheiro, se adianta numas treta. Ele é um cara firmão que se deu sempre bem, ouro no pescoço à custa de alguém. Tem fama de patrão, sai com várias mina. Negócio lucrativo, boca de cocaína. Tá pela ordem, né? O Neno é o gerente, toma conta da favela e abastece os cliente. Dinheiro fácil é fácil, vai fácil também. Soldado do tráfico morto cito mais de cem. Talvez fosse pro Neno sua última opção, será que o esforço da sua mãe foi em vão? Repara só nos pivete quando o pai é ausente: sem dinheiro, a mesma merda, Natal sem presente. Infância infeliz, futuro duvidoso. Nascem, morrem num ciclo vicioso. O Neno agora leva uma, tem dinheiro pra gastar: festa, vagabunda, roupa de marca e pá. Veja só, olha só como é o destino, foi te empurrando pro crime no desbaratino. Morrer dessa forma? Não, não. Não tô podendo... ...já ouviu falar do Neno? O Neno tá pedido, fugido da quebrada. Ripou um pilantra na semana passada. O boato rolando e o seu nome envolvido: "Traficante da sul deixa outro estendido". É mau pro Neno, só resta uma saída: sair fora do crime e a passagem de ida. Mas não, ele insiste, quer viver nesse drama. Desavenças deixa quieto, o problema é a grana. O futuro é indiferente, já não importa mais. Envolvido até o pescoço, agora é tarde demais. Jurado de morte na mão dos gambé, abandono dos comparsa, sei lá qual que é! Destacado dos rolê dos amigos de infância, pressentindo algo mau, o Neno vive à distância. Armado, ligeiro com quem se aproxima, se liga só naquele Tempra que virou a esquina. Subindo, tá vindo na sua direção, com três maluco dentro. - "Aí, Neno, sei não..." Ele tentou reagir, não dava mais pra correr. Depois de vários que matou, chegou sua vez de morrer. Vinte e poucos anos se acabaram assim, morto a tiros de pistola, pro Neno era o fim. Vai vendo... já ouviu falar do Neno?