Dona Preta, minha avó, resolvi cantar Suas histórias, suas memórias, seu penar Tantos planos, desenganos, tanta dor Solidão, viver, crescer, sem ter amor Ela apanhava tanto até a alma sangrar, mulher E a menina filha, vó, debaixo da mesa, observava o derramar Escondida, encolhida, com coberta de sangue, tremia de medo Acompanhada da sua pouca idade, teve parte da vida um segredo Tantos tapas, tantos gritos, tantas noites, tanto dor Até que um dia a menina filha, resolveu falar Foi na delegacia, foi lá denunciar E aí, te tacaram numa cela, tiraram sua roupa e seu valor E a menina sangrou na pele tudo que lhe restava de amor A prenderam a força, contra a parede, contra moral E do dia pra noite, a menina filha, ficou grávida, grávida do policial Então, foi menina de vez, mulher, chorando perdida entre valas e vielas E a cada esquina que passava, sua sanidade pingava em gotas no chão Que aos poucos formavam um rio de perigo Sujando o caminho sem proteção Perambulava sozinha, de um canto pro outro, pra lá e pra cá E a cidade de pau sujo, tinha coragem do seu corpo cobiçar Filha do crime perfeito, a criança nasceu, mãe E a menina filha teve que entregar Não tinha como cuidar, mas é abandono, é absurdo, transtorno Te julgaram, te cuspiram, te pisaram E debaixo da mesa, observava o derramar Entre o hospício e o precipício foi crescendo Em meio ao ódio e o doce rebelde viver Sem entender a desordem de cada amanhecer Engravidou de mim e quis abortar a missão De mais uma geração mulher, que sofre o abuso da solidão