Os ouvidos do meu coração se lembram bem do som dos sintetizadores invadindo a nossa velha casa de madeiras coloridas Enquanto a minha mãe dançava passinhos de flashback com as amigas dela Quando eu nasci, a Celina tinha só 20 anos Ainda tinha muita festa pra ir e ela foi e eu fui junto A minha mãe é sempre a alma da festa O meu pai, guitarrista, tocava com Os Incandescentes, uma banda de bailes Eu observava ele ensaiar, num vai e vem de pausar, anotar as cifras e rebobinar Aí quando a gente saía junto no Uno cor de vinho do meu pai, eu deitava com um cobertor no banco de tras e pegava no sono ouvindo esses programas de rádio românticos, sabe? Daqueles em que o locutor anunciava a canção que o ouvinte dedicava à pessoa amada, entre declarações calorosas e pedidos de perdão embalados por uma voz de empostação galante e dramática Minha mãe levava o meu irmão e eu toda semana pra cantar numa lanchonete que tinha um karaokê: O Poleza Esse álbum é mais um diário É uma carta pra mim mesmo, pra eu me lebrar que as coisas nunca se acabam enquanto a gente lembra delas São histórias dos amores dos meus vinte e poucos, mas que soam como algo que o Junior adoraria cantar, fazendo um frasco de perfume como microfone Eu me lembro de uma manhã Eu me lembro de tudo O meu pai, ele tinha tocado num baile na noite anterior e tava dormindo Eu fui até o quarto dele e acordei ele pedindo um dinheirinho Ele abriu a carteira e meu dez pila Dez reais era muita coisa pra uma criança naquela época Eu saí dançante e sorridente como quem acaba de ganhar na loteria Tomei banho, vesti a minha melhot roupa e menti que ia brincar na casa de uma amiguinha Corri pro Poleza e gastei os meus dez reais: Um porção de batata frita, dois suspiros e uma fita k7 Bota o seu radinho pra tocar