Clara Nunes

Clarice

Clara Nunes


Há muita gente apagada pelo tempo
Nos papéis desta lembrança que tão pouca me ficou
Igrejas brancas luas claras nas varandas
Jardins de sonho e cirandas foguetes claros no ar

Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração

Clarice era morena como as manhãs são morenas
Era pequena no jeito de não ser quase ninguém
Andou conosco caminhos de frutas e passarinhos
Mas jamais quis se despir
Entre os meninos e os peixes
Entre os meninos e os peixes
Entre os meninos e os peixes do rio, do rio

Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração

Tinha receio do frio, medo de assombração
O corpo que não mostrava feito de adivinhação
Os botões sempre fechados
Clarice tinha o recato de convento e procissão

Eu pergunto o mistério
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração

Soldado fez continência, o coronel reverência
O padre fez penitência, três novenas e uma trezena
Mas Clarice era a inocência, nunca mostrou-se a ninguém
Fez-se modelo das lendas
Fez-se modelo das lendas
Das lendas que nos contaram as avós

Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração

Tem que um dia amanhecia e Clarice
Assistiu minha partida, chorando pediu lembrança
E vendo o barco se afastar de Amaralina
Desesperadamente linda, soluçando e lentamente

E lentamente despiu o corpo moreno
E entre todos os presentes
Até que seu amor sumisse
Permaneceu no adeus chorando e nua
Para que a tivesse toda
Todo tempo que existisse

Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração