Chico César

O Homem Sob o Cobertor Puído

Chico César


Você que vai ver ao concerto com seu fraque
Não vê o homem caído na onda do crack
Nem enxerga as trevas que descem sobre a estação da luz
Tá feliz pois há concerto nesse mundo
Mas no fundo no fundo sabe o desconserto imundo
Que mais une que separa a fortuna e a sorte avara

Sim cara você meu caro é
O homem estendido sob o cobertor puído
Sim cara você é a máscara
De um Deus impiedoso e indiferente
A gargalhar do azar aziago
Dessa gente que se sente nem devia ter nascido

Depois vai com os amigos a um restaurante chique
No banheiro dá um tiro que é pra manter o pique
Mas apoia que a polícia mate traficantes da favela
Preferiria claro viver num país mais rico e civilizado
Pois é duro e baixo-astral
O atraso desses pobres lado a lado
Com o sonho burguês véI que você vive agora

Sim cara você meu caro é
O homem estendido sob o cobertor puído
Sim cara você é a máscara
De um Deus impiedoso e indiferente
A gargalhar do azar aziago dessa gente
Que se sente nem devia ter nascido

A caminho de um bar de jazz, cruza putas decadentes travestis
Trava o dente aperta o passo pra evitar contato com esses seres vis
Prefere sexo sujo na internet e até arrisca uma casa de swing
Adora o carnaval baiano mas odeia nordestinos
E também detesta trans, pois não sabe se são moças ou meninos
É esse é um tempo insano pra um homem de bem mostrar a cara

Sim cara você meu caro é
O homem estendido sob o cobertor puído
Sim cara você é a máscara
De um Deus impiedoso e indiferente
A gargalhar do azar aziago dessa gente
Que se sente nem devia ter nascido

Sim cara você meu caro é
O homem estendido sob o cobertor puído
Sim cara você é a máscara
De um Deus impiedoso e indiferente
A gargalhar do azar aziago dessa gente
Que se sente nem devia ter nascido