Carlos Mendes

Calçada de Carriche

Carlos Mendes


Luísa sobe, sobe a calçada, 
sobe e não pode que vai cansada. 

Sobe, Luísa, Luísa, sobe, 
sobe que sobe sobe a calçada. 

Saiu de casa 
de madrugada; 
regressa a casa 
é já noite fechada. 
Na mão grosseira, 
de pele queimada, 
leva a lancheira 
desengonçada. 

Anda, Luísa, Luísa, sobe, 
sobe que sobe, sobe a calçada. 

Luísa é nova, 
desenxovalhada, 
tem perna gorda, 
bem torneada. 
Ferve-lhe o sangue 
de afogueada; 
saltam-lhe os peitos 
na caminhada. 

Anda, Luísa. Luísa, sobe, 
sobe que sobe, sobe a calçada. 

Passam magalas, 
rapaziada, 
palpam-lhe as coxas 
não dá por nada. 

Anda, Luísa, Luísa, sobe, 
sobe que sobe, sobe a calçada. 

Chegou a casa 
não disse nada. 
Pegou na filha, 
deu-lhe a mamada; 
bebeu a sopa 
numa golada; 
lavou a loiça, 
varreu a escada; 
deu jeito à casa 
desarranjada; 
coseu a roupa 
já remendada; 
despiu-se à pressa, 
desinteressada; 
caiu na cama 
de uma assentada; 
chegou o homem, 
viu-a deitada; 
serviu-se dela, 
não deu por nada. 

Anda, Luísa. Luísa, sobe, 
sobe que sobe, sobe a calçada. 

Na manhã débil, 
sem alvorada, 
salta da cama, 
desembestada; 
puxa da filha, 
dá-lhe a mamada; 
veste-se à pressa, 
desengonçada; 
anda, ciranda, 
desaustinada; 
range o soalho 
a cada passada, 
salta para a rua, 
corre açodada, 
galga o passeio, 
desce o passeio, 
desce a calçada, 
chega à oficina 
à hora marcada, 
puxa que puxa, larga que larga,[x 4] 
toca a sineta 
na hora aprazada, 
corre à cantina, 
volta à toada, 
puxa que puxa, larga que larga,[x 4] 

Regressa a casa 
é já noite fechada. 
Luísa arqueja 
pela calçada. 

Anda, Luísa, Luísa, sobe, 
sobe que sobe, sobe a calçada, [x 3] 

Anda, Luísa, Luísa, sobe, 
sobe que sobe, sobe a calçada.