J. Manuel: (canta) Foi acidente à toa Que aconteceu no outro dia Quando vindo de Lisboa Eu aportava a Bahia Vinha chegando cansado De uma pequena viagem A Londres, Paris, Belgrado Viagem de cabotagem J. Manuel: (falando) Viajava, lado a lado com meu vapor. uma chata enorme carregada de potes. Lotes de potes. Ah. Ah! De repente, já com a costa à vista, armou-se uma tempestade de rachar o mundo! Nisso, uma onda gigantesca se levantou e jogou nosso barco contra o outro. D. Maria: Que horror, senhor José Manuel! Comadre: Essa história é um horror mesmo, Dona Maria. A senhora vai ver. J. Manuel: (canta) Mas o pior foi depois Vi o negócio bem feio Os barcos, ambos os dois Se arrebentaram no meio Nosso vapor joga ao mar Gente berrando, aos magotes E a barcaça ao afundar A carga toda de potes J. Manuel: (falando) O mar ficou completamente coalhado de potes. Os marinheiros e passageiros, em meio aos potes, tentavam se segurar em caixotes, em tábuas de camarotes. E até duas senhoras de redingotes, com bons decotes, em meio aos potes, treparam nos cangotes de dois sacerdotes. Porém, lamento dizê-lo (se benze), o único que se salvou fui eu. E como? Comadre: E como senhor José Manuel? D. Maria: Espera, comadre, que a senhora já vai ver e como? J. Manuel: Se eu não morri no instante Em que se deu a batida É porque tenho bastante Experiência de vida Eu já estava me afogando Mas me salvei por um triz De repente me agarrando Em...uma idéia feliz Em uma idéia feliz! Do pedaço do navio que afundava saltei para cima do pote que tava mais perto. Com meu peso, o pote encheu-se d'água e desapareceu sob meus pés. Antes, porém, que isso acontecesse, eu já tinha pulado para um segundo pote. Esse outro pote também afundou com meu peso, mas eu saltei para um terceiro artes que o segundo afundasse. E assim, com calma e determinação, fui saltando de pote em pote até chegar à costa. Comadre: Ah! Igualzinho ao Cristo, Dona Maria! D. Maria: Por sobre as águas comadre! J. Manuel: (canta) E foi a pé, não a nado Que me safei dessa fria Só cheguei meio molhado Porque ainda chovia Eu não sou papa de peixe Lá do fundo do oceano E vivo modéstia à parte Porque eu sou bom baiano. Porque eu sou bom baiano! Sou soteropolitano!