Herói do medo, não tenho medo Do próprio medo que me torna herói Com minhas regras eu faço o jogo E logro um único parceiro: eu Eu sou o primeiro e sou o último Mas não assumo a condição humana E me proclamo meu soberano Na solidão despótica de um Deus Herói do medo escrevo as tábuas Da autoridade que repousa em mim Pra que na terra não a despertem Vou caminhando, em sonho, sobre as águas Meu rastro assombra os cães de fila E rende as preces das mães de família Mais prevalece minha arrogância Entre animais, mulheres e crianças Herói do medo, firo e difamo E me alimento da fraqueza humana Com altivez eu dou e tomo Mas não recebo nunca o oferecido Ninguém me dá do que sou dono Porque eu possuo sem ser possuído Se basta olhar-me em seu reflexo Por que integrar-me inteiro no Universo? Herói do medo, odeio a mãe Por ter nascido e odeio mais a amante Por ter amado; que há de sofrer Pra que se avilte e há de morrer pra que eu Me ressuscite em liberdade Pois entre dois amei a mim somente E as mulheres, são para o herói O passatempo estéril dos covardes Herói do medo, imolo a vítima Que aplaca a vida íntima do herói E aos vencidos (compatriotas) O meu desprezo, porque nas derrotas Não movo um dedo por impedir Com vencedores eu me identifico E justifico conquistadores Por seu direito extremo de oprimir Herói do medo, execro o mundo E a humanidade, sem lhe ver a face Pretendo ao prêmio sem correr riscos E conquistar a glória em luta fácil Do comodismo desta moral Falta de ação, mas pródiga de gestos Lanço um olhar ao meu passado Me paraliso e me converto em sal ...