Tu podes bem guardar os dons da formosura Que o tempo um dia há de implacável trucidar Tu podes bem viver ufana da ventura Que a natureza cegamente quis te dar Prossegue embora em flóreas sendas sempre ovante De glórias cheia e no teu sólio triunfante Que antes que a morte vibre em ti funéreo golpe seu A natureza irá roubando o que te deu E quanto a mim irei cantando o meu ideal de amor Que é sempre novo no viçor da primavera Na lira austera em que o Senhor me fez tão destro Será meu estro só do que for imortal Tu podes bem sorrir das minhas desventuras Pertenço à dor e gosto até de assim penar Eu tenho n'alma um grande cofre de amarguras Que é meu tesouro e que ninguém pode roubar Pois quando a dor me vem pedir alguma esmola Eu lhe descerro as portas d'alma que a consola E dou-lhe as lágrimas que vão lhe mitigar o ardor Que a inspiração dos versos meus só devo à dor Irei sonhando com tristor da solitária flor Sabrendo amor ao que for próprio e grande d'alma Darei a palma que tiver maior pureza Voto a beleza por si só meu desamor Terei mais glória em conquistar com sentimento Pensantes almas de varões de alto saber E com amor e com pujança de talento Fazer um bardo ternas lágrimas verter Isto é mais nobre é mais sublime e edificante Do que vencer um coração ignorante Porque a beleza é só matéria e nada mais traduz Mas o talento é só espírito e só luz