Carlos José

Talento e Formosura

Carlos José


Tu podes bem guardar os dons da formosura
Que o tempo um dia há de implacável trucidar
Tu podes bem viver ufana da ventura
Que a natureza cegamente quis te dar

Prossegue embora em flóreas sendas sempre ovante
De glórias cheia e no teu sólio triunfante
Que antes que a morte vibre em ti funéreo golpe seu
A natureza irá roubando o que te deu

E quanto a mim irei cantando o meu ideal de amor
Que é sempre novo no viçor da primavera
Na lira austera em que o Senhor me fez tão destro
Será meu estro só do que for imortal

Tu podes bem sorrir das minhas desventuras
Pertenço à dor e gosto até de assim penar
Eu tenho n'alma um grande cofre de amarguras
Que é meu tesouro e que ninguém pode roubar

Pois quando a dor me vem pedir alguma esmola
Eu lhe descerro as portas d'alma que a consola
E dou-lhe as lágrimas que vão lhe mitigar o ardor
Que a inspiração dos versos meus só devo à dor

Irei sonhando com tristor da solitária flor
Sabrendo amor ao que for próprio e grande d'alma
Darei a palma que tiver maior pureza
Voto a beleza por si só meu desamor

Terei mais glória em conquistar com sentimento
Pensantes almas de varões de alto saber
E com amor e com pujança de talento
Fazer um bardo ternas lágrimas verter

Isto é mais nobre é mais sublime e edificante
Do que vencer um coração ignorante
Porque a beleza é só matéria e nada mais traduz
Mas o talento é só espírito e só luz