À beira do negro poço Debruço-me, nada alcanço Decerto perdi os olhos Que tinha quando criança Decerto os perdi, com eles É que te encarava, preto Gravura de cama e padre Talhada em pele, no medo Ai, preto, que ris em mim Nesta roupinha de luto E nesta noite sem causa Com saudade das ambacas Que nunca vi, e aonde fui Num cabelo no sovaco Preto que vivi, chupando Já não sei que seios moles Mais claros no busto preto No longo corredor preto Entre volutas de preto Cachimbo em preta cozinha Já não sei onde te escondes Que não me encontro nas tuas Dobras de manto mortal Já não sei, negro, em que vaso Que vão ou que labirinto De mim, te esquivas a mim E zombas desta gelada Calma vã de suíça e de alma Em que me pranteio, branco Brinco, bronco, triste blau De neutro brasão escócio Meu preto, o bom era o nosso O mau era o nosso, e amávamos A comum essência triste Numa visguenta doçura De vulva negro-amaranto Barata! Que vosso preço Ó corpos de antigamente Somente estava no dom De vós mesmos ao desejo Num entregar-se sem pejo De terra pisada Amada Talvez não, mas que cobiça Tu me despertavas, linha Que subindo pele artelho Enovelando-se no joelho Dava ao mistério das coxas Uma ardente pulcritude Uma graça, uma virtude Que nem sei como acabava Entre as moitas e coágulos De letárgica bacia Onde a gente se pasmava Se perdia, se afogava E depois se ressarcia Bacia negra, o clarão Que súbito entremostravas Ilumina toda a vida E por sobre a vida entreabre Um coalho fixo lunar Neste amarelo descor Das posses de todo dia Sol preto sobre água fria Vejo os garotos na escola Preto-branco-branco-preto Vejo pés pretos e uns brancos Dentes de marfim mordente O alvor do riso escondendo Outra negridão maior O negro central, o negro Que enegrece teu negrume E que nada mais resume Além dessa "solitude" Que do branco vai ao preto E do preto volta pleno De soluços e resmungos Como um rancor de si mesmo Como um rancor de si mesmo Vem do preto essa ternura Essa onda amarga, esse bafo A rodar pelas calçadas Famélica voz perdida Numa garrafa de breu De pranto ou coisa nenhuma: Esse estar e não estar Esse ir como esse refluir Dançar de umbigo, litúrgico Sofrer, brunir bem a roupa Que só um anjo vestira Se é que os anjos se mirassem Essa nostálgica rara De um país antes dos outros Antes do mito e do sol Onde as coisas nem de brancas Fossem chamadas, lançando-se Definitivas eternas Coisas bem antes dos homens À beira do negro poço Debruço-me; e nele vejo Agora que não sou moço Um passarinho e um desejo