Eu uno e separo todas as margens do mundo Inundo tudo, mergulho fundo E quando me encolho junto mundos afastados Empurro cascos de paquetes e barcos de escravos Eu finto as redes do arrasto Porque passo nos buracos e evaporo no espaço Eu é que te lavo enquanto me sujas Como cristalina e pura e volto turva e imunda Até me fazerem espuma E desabar de nuvem em chuva Baptizo cristãos, engulo corpos na morte Lavo a sua carne e dou as cinzas à sorte Sou forte, faço mover os moinhos E no meu umbigo moram monstros marinhos Sou de todos e assumo qualquer forma Sem cor, sem sabor, inodora Sou líquida, e nasci para ser livre Não há vidro que me prive, nem o céu é o limite Sou líquida, sou a seiva do teu corpo Severa em maremoto, serena numa gota Sou líquida, e nasci para ser livre Não há vidro que me prive, nem o céu é o limite Sou líquida, sou a seiva do teu corpo Severa em maremoto, serena numa gota Líquida... Dou de beber à terra, dou vida, dou pesca, dou rega E por mim haverá guerra Se me quiserem presa, se me fizerem escassa Se o meu corpo não chega para a vossa festança Serei uma ameaça, darei luta Enquanto for engarrafada, vendida, poluta Pela puta da indústria que me suja E que depois me quer privada me rotula, sua Por mim caminham as mulheres do pé descalço Que me distancia quem as vê do outro lado E o deserto, tão perto, tão certo, tão vasto A obra-prima do homem civilizado Faz a mesma falta o iate a jangada Ao pirata, à criada, ao diplomata Mas a sede não mata na corte e na cobata Com a mesma força, e a mesma faca Sou líquida, e nasci para ser livre Não há vidro que me prive, nem o céu é o limite Sou líquida, sou a seiva do teu corpo Severa em maremoto, serena numa gota Sou líquida, e nasci para ser livre Não há vidro que me prive, nem o céu é o limite Sou líquida, sou a seiva do teu corpo Severa em maremoto, serena numa gota Líquida Azul do planeta azul, dá o sal e a pimenta O sul é o cabo da tormenta E na barca do inferno bebo um shot de água benta Só porque a sede é ciumenta E quero matar mais do que a fome e a doença Azul do planeta azul, dá açúcar e canela O sul é o fundo da panela E na caravela bebo um gole de aguardente Só pra que a gente não se lembre Que o império já matou mais do que a sede Sou líquida, e nasci para ser livre Não há vidro que me prive, nem o céu é o limite Sou líquida, sou a seiva do teu corpo Severa em maremoto, serena numa gota Sou líquida, e nasci para ser livre Não há vidro que me prive, nem o céu é o limite Sou líquida, sou a seiva do teu corpo Severa em maremoto, serena numa gota Líquida... E nasci para ser livre Não há vidro que me prive, nem o céu é o limite Sou líquida, sou a seiva do teu corpo Severa em maremoto, serena numa gota Sou líquida, e nasci para ser livre Não há vidro que me prive, nem o céu é o limite Sou líquida, sou a seiva do teu corpo Severa em maremoto, serena numa gota Líquida...