Quando eu acordo ainda não amanheceu Faço o sinal da cruz e agradeço primeiro Deus Higiene pessoal, uniforme, boné, botina, marmita na mochila e tudo em cima Saio sem fazer barulho 'pra não acordar a família, um agrado nos cachorros e sigo minha trilha Às sete da manhã já bati meu cartão Assim começa meu dia, profissão peão Um cafezinho com leite, um pão e, é só Perdi seis quilos no primeiro mês, 'véi, tô só o pó Mas tá valendo, tô trampando, pode crê tô de boa Melhor que ficar parado tipo água de lagoa Tenho mulher, tenho o meu filho pra criar Quebro pedra o dia inteiro, mas não vou roubar Serviço bruto, pode trazer que eu encaro Tem muito diploma que não vale meus calos Outro dia eu ouvi um peão falar Nem precisei de caneta, 'véi, pra anotar Ficou gravado na memória e coloquei na letra Mais fácil carregar um livro do que uma picareta Um homem sem estudo e conhecimento não é nada Um homem sem dinheiro tipo alma penada Por isso que trabalho pra caralho e ainda estudo Posso não ter nada, pra família eu quero tudo Em outros países, ganharia vários dólares No meu país o meu salário é quase esmola Água de torneira, provável verminose Sem máscara pro trabalho, exposto a alta virose Chamado de bicho bruto, orelha seca, couro grosso Suor molha o chão, o Sol queima o pescoço Diga o que quiser, nenhum insulto me abate Sou fantasia sexual de muita socialite As pessoas passam e não me vê, sou invisível Pra parte da sociedade sou desprezível Quando trabalho no gueto o tratamento é diferente Tem sempre água fria e um café bem quente É gente pobre como eu, a maioria de bem Muitos queriam poder estar trabalhando também Já outros não querem dureza, isso também é verdade Trabalhar é pra quem tem coragem Minha batalha continua, vejo os parceiros ralando Tem uns caras que parecem até serem super humanos Sem nutricionista, energético, só força bruta nos braços Pessoas de carne e osso parecem de aço Na hora do almoço, silêncio, uma oração Acho uma sombra, bato a marmita sentado no chão Carro passa, a hora voa, o Sol tá quente Mal acabo de engolir, de volta pro batente O dia a dia é bruto, trabalho é sofrido Mas aqui ninguém da mole, a gente bota doído Se a luva rasga e a mão sangra, a garra vence a dor Aqui é que o sujeito mostra o seu valor Conheço um cara que se acha, tira onda, bota a boca Quero ver se é guerreiro batendo alavanca Não aguenta um dia, abre o bico, pede arrego Acha mais fácil roubar que procurar emprego Mas tem razão, roubar é mais fácil que trabalhar Preste atenção, tem papai e mamãe pra te bancar Se acha melhor que os outros, diz que é o tal Nem concluiu a quarta série do primeiro grau Só quem cansa que sabe onde o sapato aperta Nem sempre é fácil parceiro fazer a coisa certa É preferível ser peão do que vida torta Não tem polícia nem comprador em minha porta O dia chega ao seu final, dezessete horas Juntar as ferramentas, entrar na Kombi e ir embora Cada dia uma batalha, todo dia uma vitória Gladiadores fazendo história A noite em casa quero descansar Às vezes tenho forças, véi, pra estudar Sei que posso melhorar o que vêm pela frente Quero melhorar em tudo, tudo e sempre