Camané

Terreiro dos Passos

Camané


Ai o calor de Dezembro 
Girando à volta das casas 
Fazendo festas na noite 
De uma lareira apagada 
Pasmada de iluminada 

Ai a matéria dos sonhos 
Sem outra vida que a nossa 
Em bandos partem imagens 
Doirando a luz insegura 
Nas asas de feroz doçura 

Quebrou-se o riso dos tédios 
Na sua própria procura 
Paradas ficam nas horas 
As águas que não secaram 
De desgostos que já se foram 

Sei-me à volta disto tudo 
Nada disto é coisa alguma 
Virei eu mesmo na noite 
Vestir o espaço do centro 
Da casa onde nunca entro 

Vinda da vida há uma sombra 
Que encerra a vida que passa 
E nessa sombra outra sombra 
Mais escura que nenhuma 
Sonhando a luz que esvoaça 

Nos teus gestos que me tentam 
Janelas de eu ver o mundo 
Baloiça em jeitos de rede 
O descanso dos sentidos 
Em memória convertidos 

Quem me achar que me procure 
Quem me encontrar que me solte 
Já estou para além deste arquivo 
Onde tudo sabe a pouco 
E onde eu morro no que vivo