Houve o tempo em que a "folha" era a arma respeitada, pois assim era chamada a espada do brigadiano. E nas pendengas do pago, quando a indiada se atracava, muitas vezes ele cantava no lombo de algum paisano. E ele era desse tempo, cabo velho e veterano. Curtiu muito desengano como praça da "Milícia'. Mas teve um dom já de berço: mostrando desde menino, que Deus lhe dera um destino, nasceu para ser polícia! Pequenito já brincava nas guardas da molecada; fez uma farda inventada com uns trapos velhos de brim. Duma tala de coqueiro fez sua primeira espada e organizou com a gurizada uma brigada mirim. Quando fez 18 anos foi cumprir a sua sina: entrou pra "Guarda Assassina", como era, então, chamada. E que orgulho sentiu quando alcançou o que sonhara, no dia que lhe entregaram uma farda desbotada! E seguiu a vida afora marcheteado com a sorte. Cruzou ferro com a morte em muita pegada feia. Empunha a lei com bravura, brincando até com o perigo, e levou muito inimigo para o fundo da cadeia! Mas era bom e honesto, embora pobre e judiado! Vivia sempre apertado com o magro soldo de então. Sonhava, às vezes sorrindo, apenas por puro afeto, pois jamais, analfabeto, chegaria a Capitão. E como foi massacrado nos tempos do preconceito! Ser brigada era defeito que pesava como um mal! Pois todo o índio polícia era, sim, considerado, como indivíduo afastado do meio ambiente social. E um dia juntou os trapos com uma moça brasileira. Gaúcha bem verdadeira, mulher pobre, honesta e boa! Que sofreu resignada daquele tempo a malícia, quando a mulher de polícia era chamada de à toa" Mas enfrentaram o destino unidos num amor profundo! E peleando com o mundo, foram passando os anos. Eram bons, eram benquistos, entre vizinhos e amigos, e tinham poucos inimigos, apesar de brigadianos. Já estavam quase aos quarenta quando Deus lhes deu um filho. Trazendo um novo brilho para o lar entristecido. Mas o velho brigadiano era um exemplo de bom; pois Deus lhe dera o dom: ser bom pai e bom marido! Foi num dia em que o filho estava cumprindo anos. Os pais, garbosos, ufanos, estavam com a alma em festa! Juntaram uns restos de trocos do soldo que mal cabia, para fazer, nesse dia, uma festinha, modesta... E quando a mãe fez o bolo, com uma velinha, enfeitado, o gurizito, encantado, dava pulos na cozinha. É o bolo de aniversário, dizia a mãe, com carinho, e os olhos do gurizinho brilhavam mais que a velinha! E o cabo velho, sorrindo, se tocou lá para a venda, fora buscar a encomenda: meia dúzia de Gasosa. E recebendo um abraço, o brigadiano, faceiro, com o amigo, o bolicheiro, ficou tirando uma prosa... Foi quando entrou no boliche o mulato "Carniceiro"; um tipo mui bochincheiro, que já vinha embriagado. Não gostava de polícia e ao ver ali o brigadiano, foi logo puxando pano pra uma encrenca com o soldado... Pegou no copo de canha e disse: bebe milico! E o Cabo velho, xomico, que não queria pendenga, foi saindo de mansinho, se lembrando do menino, mas o mulato, assassino, foi sacando da xerenga ... Foi tudo tão de repente, que nem se explica o sentido; o bandido, enfurecido, como um louco, o desalmado, sem que mesmo o bolicheiro pudesse evitar o mal, espetou o policial que caiu ensanguentado! E à noite, naquele rancho onde haveria alegria, uma mãe, triste, se ouvia chorando, desesperada! Era a sorte negra e injusta que quase sempre culmina a triste e amarga sina duma mulher de brigada! E o filho, ainda bobo, sem compreender a razão, ao ver o pai, no caixão, terminando o seu calvário, batendo palmas, dizia, - inocente, o pequenito - "Como papai tá bonito, festejando o aniversário!"