Aracy de Almeida

Três Apitos

Aracy de Almeida


Quando o apito da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro   de     você
Mas você anda
Sem dúvida bem zangada
Ou está interessada
Em fingir que não me vê  
Você que atende ao apito de uma chaminé de barro
Porque não atende ao grito
Tão aflito
Da buzina  do  meu  carro
Você no inverno
Sem meias vai pro trabalho
Não faz fé no agasalho
Nem no frio   você    crê       
Mas você é mesmo artigo que não se imita
Quando a fábrica apita
Faz reclame  de  você   
Nos meus olhos você lê
Que eu sofro cruelmente
Com ciúmes do gerente
Impertinente
Que dá ordens a você  
Sou do sereno  poeta muito soturno  
Vou virar guarda-noturno
E   você  sabe  porque
Mas você não sabe
Que enquanto você faz pano
Faço junto ao piano
Estes versos pra você