Quando a garoa do inverno Me atropela pro galpão Chego a chaleira ao tição Corto um crioulo a preceito E abrindo as varas do peito Me ponho, triste, a cismar E logo vejo apontar Furando a garoa mansa A tropilha da lembrança Que eu nunca pude amansar É balda de quem é velho Viver jungido ao passado Como um boi magro e cansado Sofrendo ao peso da canga Mas que paciente e sem zanga Vai mascando a malagueta Que é o carreteiro sotreta Que não lhe afrouxa o serviço E o boi velho, nem por isso Deixa de amar a carreta Por mais que tenha sofrido Sempre um velho ama o passado Como um matungo estropiado Que já não dá mais rodeio Que gastou no aço do freio Seu derradeiro colmilho Que nunca conheceu milho Nunca passou do capim E o matungo, mesmo assim Tem saudade do lombilho Mesmo com marcas no couro De algum puaço mais forte Mesmo sabendo que a sorte Lhe foi ventena e mesquinha Um velho quando se aninha No achego dos pensamentos Disfarça esses maus momentos Nalguma fresta do peito Como um remendo bem-feito Que se tapeia nos tentos Esta verdade é sabida Dos chirus mais veteranos Que no rebolo dos anos Mesmo as horas mais funestas Vão embotando as arestas Tomando um novo feitio E acaba sempre sem fio O punhal dos desenganos Porque o rebolo dos anos Gira sempre de arrepio