É só quando me perco que te encontro E só quando te encontro me conheço Pareço não ter escolha ao carregar esta cruz E o mal que me pus não compensa subir O pouco que me basta nunca chega E o pouco que me chega já não basta Arrasta-se esta condição por tempo demais Por tempo que vai e não foi E algo em mim revolta-se Contra a causa humana Num uivo falso de besta feroz Pois algo em mim fraqueja E embarca nesse jogo De querermos ser melhores do que nós Não há quem conte a história De ter voltado ileso Desse ergo tão dantesco e cruel E a viagem hercúlea da nau catrineta Naufraga sobre os rastos da pele É então que a tempestade sem pudor se instala Traz com ela o desafio de um combate justo Traz com ela o imenso custo de quem ninguém fala Bala ágil, de arma frágil Que dispara por susto do fundo de uma vala Conta os passos para o duelo ao nascer do dia Olha o chão, que o horizonte não é bom amigo Sente o peso do mosquete que na mão te treme Tema a força desse leme Cujo aperta contigo uma disputa perene Há quem nos queira dizer para nunca mudar Quem nos queira mudar Sem sequer nos dizer que há razões Ver que há razões Há quem não queira lutar Pra não ter de perder Quem não queira perder o merecido lugar Que o melhor é esquecer Preside à cerimónia o juiz Numa injustiça protocular O burlão que te enganou feito carrasco A magistrar Sem que haja leis pro parar Há quem nos queira dizer para nunca mudar Quem nos queira mudar Sem sequer nos dizer que há razões Ver que há razões Há quem não queira lutar Pra não ter de perder Quem não queira perder o merecido lugar Que o melhor é esquecer Porque é que ligamos ao medo mais que as nossas esperanças Porque é que deixamos tão cedo de sermos crianças É que até o teu destino também te atraiçoa Como se fosses mais um mouro a norte de lisboa Porque é que todo o oxigénio se vai em perguntas Porque é que reanimamos dúvidas mais que defuntas É por causa desse abismo de acabarmos sós No frio imenso desse poço onde no fundo estamos nós Somos só nós que nos valemos ao final do dia Somos só nós que nos deitamos numa cama fria Onde no fundo estamos nós Onde no fundo estamos nós!