Ana Paula Lopes

Águas de Março

Ana Paula Lopes


É pau, é pedra 
É o fim do caminho
É um resto de toco 
É um pouco sozinho
É um caco de vidro 
É a vida, é o sol
É a noite, é a morte 
É um laço, é o anzol
É peroba do campo
É o nó da madeira
Caingá, candeia 
É o Matita Pereira

É madeira de vento 
Tombo da ribanceira
É o mistério profundo 
É o queira ou não queira
É o vento ventando 
É o fim da ladeira
É a viga, é o vão 
Festa da cumeeira
É a chuva chovendo 
É conversa ribeira
Das águas de março 
É o fim da canseira

É o pé, é o chão 
É a marcha estradeira
Passarinho na mão 
Pedra de atiradeira
É uma ave no céu 
É uma ave no chão
É um regato, é uma fonte 
É um pedaço de pão
É o fundo do poço 
É o fim do caminho
No rosto o desgosto 
É um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego 
É uma ponta 
É um ponto 
É um pingo pingando 
É uma conta, é um conto

É um peixe, é um gesto 
É uma prata brilhando
É a luz da manhã 
É o tijolo chegando
É a lenha, é o dia 
É o fim da picada
É a garrafa de cana 
O estilhaço na estrada
É o projeto da casa 
É o corpo na cama
É o carro enguiçado 
É a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte 
É um sapo, é uma rã
É um resto de mato
Na luz da manhã

São as águas de março 
Fechando o verão
É a promessa de vida 
No teu coração

É uma cobra, é um pau 
É João, é José
É um espinho na mão 
É um corte no pé

São as águas de março 
Fechando o verão
É a promessa de vida 
No teu coração

É pau, é pedra 
É o fim do caminho
É um resto de toco 
É um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte 
É um sapo 
É uma rã 
É um belo horizonte 
É uma febre terçã

São as águas de março 
Fechando o verão
É a promessa de vida 
No teu coração