Encostado sem brio ao balcão da taberna De nauseabunda cor e tábua carcomida O bêbado pintor a lápis desenhou O retrato fiel duma mulher perdida Era noite invernosa e o vento desabrido Num louco galopar ferozmente rugia, Vergastando os pinhais, pelos campos corria, Como um triste grilheta ao degredo fugido. Num antro pestilento, infame e corrompido, Imagem de bordel, cenário de caverna, Vendia-se veneno à luz duma lanterna À turba que se mata, ingerindo aguardente, Estava um jovem pintor, atrofiando a mente, Encostado sem brio ao balcão da taberna. Rameiras das banais, num doido desafio, Exploravam do artista a sua parca féria, E ele na embriaguez do vinho e da miséria, Cedia às tentações daquele mulherio. Nem mesmo a própria luz nem mesmo o próprio frio, Daquele vazadouro onde se queima a vida, Faziam incutir à corja pervertida, Um sentimento bom d'amor e compaixão, P'lo ébrio que encostava a fronte ao vil balcão, De nauseabunda cor e tábua carcomida. Impudica mulher, perante o vil bulício De copos tilintando e de boçais gracejos, Agarrou-se ao rapaz, cobrindo-o de beijos, Perguntando a sorrir, qual era o seu oficio, Ele a cambalear, fazendo um sacrifício, Lhe diz a profissão em que se iniciou, Ela escutando tal, pedindo-lhe alcançou Que então lhe desenhasse o rosto provocante, E num sujo papel, o rosto da bacante O bêbado pintor com um lápis desenhou. Retocou o perfil e por baixo escreveu, Numa legível letra o seu modesto nome, Que um ébrio esfarrapado, com o rosto cheio de fome, Com voz rascante e rouca à desgraçada leu, Esta, louca de dor, para o jovem correu, E beijando-lhe o rosto, abraço-o de seguida... Era a mãe do pintor, e a turba comovida, Pasma ante aquele quadro, original, estranho, Enquanto o pobre artista amarfanha o desenho: O retrato fiel duma mulher perdida.